No tempo e no templo, o sujeito: o eu

Palavra entre nós
Luigi Giussani

Meditação de Luigi Giussani nos Exercícios Espirituais dos Memores Domini. Maio de 1995


"Hic dies, in quo tibi consecratum conspicis Templum, tribuat perenne gaudium nobis, vigeatque longo Temporis usu" 1: este dia em que olhas para o templo a ti consagrado – um dia de retiro, dias de exercícios espirituais, uma hora de silêncio no dia: este é o tempo em que o mistério do Pai olha para o templo a ele consagrado –, este tempo nos doe alegria perpétua e permaneça sólido – sólido: o dia sólido, o tempo sólido –, e permaneça sólido para o nosso uso, para a nossa vida, por um longo espaço de tempo. Permaneça sólido para a existencialidade concreta da nossa vida e por um espaço de tempo longo, que é o sonho de qualquer vida (menos mal que o ideal não é esse, de qualquer forma é o sonho para qualquer vida).
"Hic dies, in quo tibi consecratum conspicis Templum, tribuat perenne gaudium nobis, vigeatque longo Temporis usu": esta penúltima estrofe do carme a Cristo que nós cantamos no início de cada reunião da casa, quando vocês forem cantar esta décima primeira estrofe, reflitam sobre a humanidade dela, em que a divindade se traduz.
Mas há uma outra idéia que vocês têm de sublinhar. Não pretende ser a síntese de todo este tempo cheio de graça em que o Senhor nos ditou "Deus: o tempo e o templo", "Reconhecer Cristo", "Deus e o homem", porque é uma seqüência de tempo maravilhosa, uma graça do Espírito longa e profunda como um grande lago sobre a terra árida do nosso coração; aquilo que o Senhor nos disse neste tempo não pode ser sintetizado pelo que direi hoje. O que digo hoje pretende existencializar tudo o que foi dito, e tudo o que foi dito se existencializa em um lugar não lugar, em um lugar espiritual, em um lugar, porém, feito de terra e feito de carne, lugar espiritual porque feito também de alma: é o eu. É no eu que se realiza existencialmente tudo o que foi dito. Aqui, aqui, as quatro paredes; aqui, o templo; aqui, o lugar circunstanciado da vocação; aqui, as águas benditas dissolvem as culpas de quem as tenha cometido, e elas perecem, perecem, tornam-se nada: "Tudo isto jamais aconteceu" 2. "Genus et creatur Christicolarum" e, ao mesmo tempo, o Espírito – chrismate invictum –, o Espírito cria uma nova gens, um novo genus, um novo gênero de criatura, mais que homem: genus "Christicolarum", a estirpe daqueles que reconhecem, adoram, esperam e amam a Cristo; crer em Cristo, esperar em Cristo, amar a Cristo: "Pedro, tu me amas?" – Tu! –, "Sim, Senhor, eu te amo".
É a esta síntese que fazemos alusão nas breves mas poderosas observações que faremos hoje, que devem ser retomadas todas, uma a uma, para o conhecimento de nós mesmos e para a percepção do onde estamos, do a que ponto estamos, não como medida, mas como horizonte. Detenha-se na estrada deserta ou na estrada florida que está percorrendo, na estrada triste ou alegre que está percorrendo, pare e olhe para o horizonte: não meça o que você fez, não meça o que lhe falta, olhe para o horizonte que é Cristo.

Duas pequenas considerações:

Primeiro. Houve uma pequena colocação ontem, diante da pergunta: "Por que nós não sabemos sustentar a duração para a construção, até a construção do caminho? Por que não sustentamos a duração?". Resposta: não se constrói se não se diz: "Eu sigo uma pessoa que é viva". Sigo, busco uma pessoa que é viva. "Buscai todos os dias os rostos dos santos e tirai conforto das suas palavras" 3, ensinou-nos padre Villa, nas paredes de sua casa, enchendo a casa da Cúria... de luz (ao passo que antes eram trevas). "Sigo uma pessoa que é viva. Então fico com ela – certo: uma pessoa que é viva... então fico com ela! – e busco tornar-me uma coisa só com ela." Não é absolutamente exagerado: é uma definição e vale, portanto, para todo relacionamento autêntico, autenticamente abraçado. "Sigo uma pessoa que é viva. Então fico com ela e busco tornar-me uma coisa só com ela", também esta frase reduz ao mínimo de simplicidade as condições para viver a vocação.
Queremos fazer um elenco com atenção do que significa a palavra vivo.

1. Em uma das nossas casas foi dito: "Reconhecer Cristo como presença que nos constitui". Este é o ato de fé. Vivo quer dizer que vive a fé: reconhecer Cristo como presença que nos constitui. Reconhecer Cristo como presença que nos constitui: por isto é o objeto próprio da memória, na qual esta Presença se reconstitui para constituir-me de novo.
Prossegue a colocação: "Este Cristo que és tu – este Cristo que és tu! –, por que se levanta de manhã?". Por que vai trabalhar? Por que, em geral, age? Para que faz? Melhor ainda, o que espera de tudo o que o move e que o impele para o futuro? "A nossa vida justamente contente, até certo ponto satisfeita, não pode ser intensa", não pode ser intensa daquela intensidade que exigia Maspes no seu inesquecível ponto alto, quando disse na carta, falando do instante: "a densidade do instante". "A nossa vida, justamente contente, até certo ponto até satisfeita, não pode ser intensa, densa, sem que se responda a esta pergunta". Por que Cristo veio no seio de Maria? Por que Cristo viveu na sua casa de Nazaré? Por que Cristo se moveu para ir trabalhar na oficina do pai e na grande oficina do Pai – com P maiúsculo – que eram as estradas da Judéia, da Galiléia, da Samaria, de Jerusalém?
"É como se a nós faltasse algo, que é o êxito do nosso empenho, o êxito do dom que somos". E é este algo que falta que, apesar de tudo, sustenta o dom que somos, sustenta o nosso empenho; ele dá a razão, a razão do tempo, do espaço, razão comensurada à história do homem, proporcionada à história do homem. Cristo veio para fazer tudo isto, para dar a sua vida como salvação do homem: propter nos homines. "É como se a nossa vida fosse um feto em que a cabeça não tivesse ainda a sua formação." Sem esta resposta que foi dada por Cristo, é como se a nossa vida fosse um feto em que a cabeça não tivesse ainda a sua formação. A esperança diante do presente é o cumprimento do presente, é a realizar-se do presente, é o realizar-se completo da satisfação, a esperança ditada pela paixão pelo mundo, o atormentar-se* pelo fato de que os homens não conhecem Cristo ou, segundo uma fórmula mais amorosa, pelo fato de que Cristo não é reconhecido pelos homens.
É pelo fato de que Cristo não é reconhecido pelos homens, é por causa disto que nos levantamos de manhã, que vamos trabalhar, que dizemos uns aos outros as primeiras palavras, palavras custosas a princípio, forçadas a princípio, depois cada vez mais soltas, cada vez mais desejosas de envolver as pessoas com que trabalhamos. Depois voltamos cansados e voltamos a repousar para que no dia seguinte uma vez mais reaconteça tudo.
O objetivo é dado pelo fato de que Cristo não é reconhecido pelos homens. Então este amor cheio de paixão* por Cristo e pelos homens e pelo seu destino torna-se a esperança do presente, um presente que começa como fé, como dar-se conta da sua Presença, como dar-se conta daquela Presença que me constitui e não é reconhecida pelos homens, não é reconhecida pelos homens! Toda a esperança da minha vida, toda a espera da minha vida, o que absorve tudo o que eu faço – tudo o que eu faço, porque é na ação que o presente se torna esperança para o futuro – é para que o conheçam, que todos os homens o conheçam: esta é a apaixonada* esperança que cumpre a fé e a caridade do homem vivo.
A primeira característica do homem vivo é, portanto, a fé segundo o desenvolvimento que ela origina, esperança e paixão* por Cristo e pelos homens 4.

2. Mas há uma segunda característica, misteriosa ainda, dentro deste eu misterioso...
Porque este eu que você tem nas mãos, entre os seus dedos, sob os seus olhos que o fitam, com o seu coração que palpita por ele ou permanece suspenso no ar não sabendo o que dizer; este eu, que de qualquer forma vibra entre os dedos, sob os olhos que o fitam e desperta no coração certos acentos que são os acentos da vida; este eu, se você o vê em primeiro lugar como crente, este eu reconhece que Cristo é a consistência, reconhece Cristo como presença que o constitui. E, tendo reconhecido Cristo como presença que o constitui, logo ele é dobrado, tende a ser dobrado pelo tormento* que vem do fato de que Cristo não é conhecido, e pela piedade pelos homens, sinal e símbolo da piedade por si mesmo.
Mas este eu – eu dizia – tem uma outra coisa misteriosa, que é aquela sublinhada por Santo Agostinho, que lemos na primeira noite: "Não somos exortados a não amar [não somos exortados a não amar: quem não ama está morto!], mas a escolher o objeto do nosso amor. Mas que escolheremos, se não somos antes escolhidos [se não nos é indicado, quando nos é dada a vida]? Pois não amamos, se antes não somos amados. Ouçam João, o apóstolo: 'Nós amamos porque Ele nos amou em primeiro lugar'" 5.

3. A terceira característica de um homem vivo... porque um homem que tenha fé o quanto quiser, escolhido por todos os anjos, que descem do paraíso só para gritar na praça da Catedral que aquele homem foi escolhido, não valeria nada se não estivesse em primeiro lugar humanamente cheio de certeza, cheio de certeza! "Pois que reconhecemos Aquele ao qual nenhuma criatura é capaz de resistir" 6. Há Alguém, entre nós, a quem nenhuma criatura é capaz de resistir. E os milagres da santidade marcam a história dele nas suas pontas mais agudas, nas suas cristas últimas, fixando a cadeia de montanhas que o Acontecimento cria.
Cheios de certeza! A certeza é condição indispensável para que sejamos vivos; sobretudo para um "ser vivos" que deva impor-se como esperança, portanto como consolação e portanto como alegria aos olhos dos irmãos. Deus meu, como não é inútil este chamado de atenção à certeza inevitável! A nós, que vacilamos, vacilamos mais do que acreditamos, cheios de dúvidas nos afundamos nos "quem sabe".
Por isto, vão ler a primeira parte do capítulo dezoito de São Lucas – "Vão ler"? Não compreendo por que uma meditação, ao mesmo tempo em que é ditada a outros, não deva ser meditação também para quem a dita –: "Disse-lhes uma parábola sobre a necessidade de rezar sempre sem cansar [por isso o eu vivo é aquele que tem certeza, tem certeza porque reza, pede, mendiga; a sua força está na mendicância]. 'Havia em uma cidade um juiz que não temia a Deus e não tinha consideração por ninguém. Havia também naquela cidade uma viúva que vinha ter com ele e lhe dizia: «Faz-me justiça contra o meu adversário». Por um certo tempo, ele não quis, mas depois disse consigo mesmo: «Ainda que eu não tema a Deus e não tenha respeito por ninguém [como tantos administradores da justiça], uma vez que essa viúva me molesta tanto, far-lhe-ei justiça, para que não venha continuamente importunar-me»'. E o Senhor acrescentou: 'Ouvistes o que diz o juiz desonesto? Para que não sejamos importunados, demos logo satisfação a ela. E Deus não fará justiça aos seus eleitos que gritam dia e noite diante d’Ele e lhes fará esperar longamente? Digo-vos que lhes fará justiça prontamente [que lhes dará certeza, capacidade de certeza, prontamente]. Mas o Filho do homem, quando vier, encontrará a fé sobre a terra?'" 7. Nós não falamos assim "do mundo", falamos assim de nós mesmos, que participamos mais do mundo que da Presença de que fomos constituídos. Participamos mais do mundo que da Presença de que somos constituídos, somos mais do mundo que de Cristo! A nossa memória indica isto, indica-o muito bem: olhem para o diagrama da nossa memória.
Um homem vivo, portanto, é antes de mais nada um homem de fé: Cristo é a Presença que me constitui. E este eu por Ele constituído é tal porque escolhido: a raiz da verdade de mim mesmo é que sou escolhido. E esta coisa, quando se torna consciente, inunda de certeza; a certeza: este é o aspecto mais patente no homem vivo. Para ele Deus realmente é o Pai, é tudo; antes do Pai nada existe, o nada existe.
E se Jesus, do qual somos constituídos, é aquele a quem nenhuma criatura é capaz de resistir – como diz Santo Efrém: mas se "nenhuma criatura é capaz de resistir", de que devemos ter medo? –, se olhamos para Ele, se o seguimos, se o suplicamos, se o seguimos com olhar de mendicantes como o seguiam os apóstolos, se o seguimos com aquela fome e sede de justiça que Ele despertava dentro do coração, se o seguimos assim, de que temos medo, se nenhuma criatura é capaz de vencê-lo?
E nenhuma criatura é capaz de resistir a ele, porque "toda casa é construída por alguém", diz a Carta aos Hebreus 3, 4, "toda casa é construída por alguém, mas aquele que construiu tudo é Deus". Por isto é o Senhor, o Pai e o Senhor; o Pai, pois se trata de uma casa, o Pai.
Mas, justamente porque se trata de uma coisa infinitamente nova – Cristo é a presença que me constitui –, sou um outro ser, não compreendo como, sou um outro ser: escolhido, por que escolhido? Escolhido entre – vimos isto neste verão – infinito número de possíveis – infinito! –, escolhido no infinito, com uma certeza que se enraíza em um nível de profundidade inalcançável, e, antes ainda, portanto, desmesurado, sem medida. E esta certeza vai terminar às margens de um horizonte que é nascente de todo este infinito, nascente de todo este mistério: uma força à qual nada pode resistir. Isto se revela em Cristo, em cujas mãos o Pai colocou tudo 8, colocou tudo – tudo! – nas suas mãos, e o sentido de toda pequeníssima coisa invisível, de toda infinitesimal coisa, e o sentido das maiores coisas é Ele, é Ele, e aparecerá, aparecerá! Mas a origem de todo este mistério é o Pai, que constituiu tudo: tudo depende do Pai. O próprio Cristo, a palavra mais repetida nos seus três anos de vida pública, mais escutada por todos, mais ouvida por todos, mais repercutida no coração dos apóstolos é "o Pai": "O que agrada ao Pai, eu o faço sempre" 9, sempre.

4. Este Mistério, que me constitui e que eu aprendi, constitui todas as coisas, mas sobretudo constitui o presente em que reside, em que é plasmado o meu futuro, o meu destino, em que se plasma e se afirma o meu destino. Mas como podemos entrar em contato, como podemos saber com certeza que fomos escolhidos a ponto de sermos constituídos? Como podemos saber, para tomar consciência disto, para compreender cada vez mais isto? Permanecer em um lugar, permanecer em um lugar também este fixado.
"Um irmão perseguido pelo pensamento de deixar o mosteiro abriu-se comigo. Então eu respondi: 'Permanece na cela, dá o teu corpo em penhor às quatro paredes da tua cela. Não te preocupes com esse pensamento: que o pensamento vá aonde quiser [venha quando quiser, vá aonde quiser], mas que o teu corpo não saia da cela'" 10. Que simplicidade absoluta, que simplicidade, que banalidade! Somos todos tentados – todos! – a dizer: "Que banalidade: o próprio destino, a identificação da própria vocação, do próprio sentido da vida, assinalado por quatro paredes entre as quais me achei, as quatro paredes das circunstâncias de tempo e de espaço, de história, entre as quais fui parar".
O homem vivo é aquele que crê, que tem consciência de ser escolhido, que tem certeza no Pai que é tudo, percebido, surpreendido, adorado, amado no lugar onde você está, onde Ele o colocou: entre as quatro paredes, que, mesmo que fossem as galáxias do universo, continuariam a ser sempre quatro paredes, porque definidas por uma relação finita. Quatro paredes: estar em um lugar sem hermenêuticas sempre instáveis e discutíveis, apoiadas sobre o nosso próprio pensamento ou sobre a nossa própria imaginação. Aqui não entram nem a imaginação nem o pensamento, entra o pensamento na sua raiz, tomada de consciência de uma realidade, e entra o coração: que o coração ame, que o coração adira a isto; basta.
Busco um homem vivo, fico junto dele e busco nada menos do que me tornar uma coisa só com ele: "Não sabeis que sois membros uns dos outros?" 11.

Segundo. Prossegue a colocação de ontem: "Não basta durar no tempo para construir, para que dure é preciso gerar". É preciso gerar como você é gerado, é preciso que através de você outros sejam gerados. Mas, como isto é possível? É preciso que através de você outros sejam chamados, outros sejam escolhidos, outros creiam: a missão da sua vida, a resposta à grande pergunta de que falamos antes.
São também os dois pontos da síntese dos nossos Exercícios Espirituais. Missionário quer dizer gerador de povo, enviado por Cristo, enviado por Cristo como Cristo é enviado pelo Pai. Cristo é enviado pelo Pai para regenerar a humanidade, uma nova humanidade, uma diversa humanidade, que acolhe todos os pontos de partida e as flexões da primeira e torna-os mais que humanos, torna-os de uma outra natureza, de um outro valor, de uma natureza semelhante à de Deus. Sem este ímpeto, sem esta paixão*, é como se a própria fé não contasse mais. A fé não pode dar alegria a você se não provoca esta paixão*. Sem a paixão missionária, a pessoa – qualquer pessoa; não estou falando dos nossos amigos que vão para Nazaré ou dos nossos amigos que vão para as distantes terras da Sibéria, estou falando de cada um de nós –, sem ímpeto missionário é como se o seu corpo fosse sem semente, isto é, estéril, e o peito sem coração, isto é, árido; o seu pensamento, o seu conhecimento, não chegam ao affectus, não são comovidos, não podem ser comovidos: você é estéril, estéril no sentido vergonhoso, como em certos povos, não apenas antigos, em que as mulheres vivem envergonhadas diante dos outros se não têm filhos.
A partir de que é gerado um novo povo, a partir de que se colabora para gerar um novo povo?
Qual é o lamento de um povo, como a expressão mais determinante na história literária da humanidade, potência expressiva do lamento do que falta à própria vida? São os salmos, o canto dos salmos, este longo lamento da história hebraica. Vão ler o salmo 110, o salmo 88, o salmo 111, o salmo 124: são salmos escolhidos dentro do breviário destas últimas duas semanas. Mas nós lemos estas coisas sem vibrar com elas, dizemos estas palavras como se não fossem nossas, aliás, como se fossem de ninguém, o Ninguém da Odisséia: "Quem és?". "Ninguém."
E o povo que caminha em busca do seu destino e da sua completitude, além do canto que é lamento, último lamento – mesmo quando parte da maior certeza, sempre decai em um doloroso lamento –, ao lado do canto, o povo tem a voz dos seus poetas, dos seus gênios: gênio, que exprime a consciência do povo, que exprime a genialidade do povo. Na Bíblia são chamados profetas: Isaías 2, 2-5; Isaías 66, 10-14; e, sobretudo, Isaías 62, 4-7 e Isaías, de 61, 10 a 62, 5 (os capítulos 61 e 62 no seu momento culminante).
Se nestas duas semanas não vibramos e choramos com o povo hebreu, não sentimos em nós e dentro de nós, dentro da nossa existência, a dor do povo hebreu, se não revivemos este povo, o Acontecimento para nós não é presente, o Acontecimento não existe; vivemos como se o Acontecimento não existisse.
Mas eis quanto justamente se especifica a figura do homem vivo que deve ser seguido de perto, para ser uma coisa só com ele: "Não sabeis que sois membros uns dos outros?".

1. Pela objetividade da forma da vocação é salvaguardada esta proximidade viva, é reconhecida esta proximidade afetuosa e generosa como eco do coração de Cristo; objetividade: as quatro paredes que tornam simples o caminho. Mais simples do que isto: "Fiques onde estás", fiques onde estás. A "indicabilidade" do seu caminho é simplicíssima, torna simples o caminho, elimina todas as recriminações – oh, que bonito é isto; a recriminação, que é o estorvo satânico e demoníaco dos nossos dias, que, se não fosse isso, seriam mais serenos: mesmo quando chove e as nuvens estão baixas e negras, a alma pode permanecer serena bebendo o ar do Espírito que corre entre gota e gota da chuva que cai –, elimina todas as recriminações e por isso os esforços inúteis, deixando o único esforço razoável, que é o do testemunho, da missão, da dedicação de si à missão de Cristo. Simples, portanto, fica sendo toda a visão de empenho da vida do homem vivo.

2. E livre: o homem vivo é livre. Livre de quê? Livre de tudo o que foi; por isto é sem recriminações: a recriminação relembra aquilo que foi. Livre de si mesmo, isto é, daquilo que foi; livre naquilo que é agora, no Cristo que é agora, na presença de Cristo reconhecida, na presença de Cristo reconhecida como a sua – a sua! – única consistência; livre das algemas do tempo e do espaço; e livre nos relacionamentos. A marca da autenticidade, da bondade de um relacionamento é que ele liberte você sensivelmente: que ele liberte você, não que o complique, que o amarre, que aumente o seu peso ou o arraste, que seja ele a decidir sobre você.

3. Como conseqüência da simplicidade e da liberdade, o homem vivo é capaz de alegria. Capaz de alegria: reflexo do céu, reflexo do céu estrelado, reflexo do céu azul primaveril, "frio e ardente" 12.

4. E por isto o homem vivo – que da simplicidade e da liberdade extrai a capacidade da alegria – é um homem desejável. A desejabilidade é característica do homem livre, a desejabilidade é característica dos homens enviados. Enviados a quem? Ao homem caminhante, a todos os homens caminhantes; não aos vagabundos, não a quem se recusa a ser caminhante, a ter um caminho, um destino e uma companhia, que lhe é dada misteriosamente, mas que com certeza lhe é dada, e prefere fazer de si mesmo caminho e destino. Não para os vagabundos, mas para os caminhantes. Para os caminhantes, a alegria e a desejabilidade formam o pano de fundo da presença do homem escolhido, que tem fé em Jesus. E nós o desejamos de longe, quando estamos longe; uma característica é esta: deseja-se o lugar onde vive quem é livre. Deseja-se aquele lugar, com uma saudade no sentido verdadeiro do termo: que apressa aquilo que se tem de fazer longe, e respira quando pega o instrumento que o leva ao lugar original. Como ontem à noite, quando de repente vi ao meu lado um de vocês que foi obrigado a ficar um pouco longe nestes tempos, e ele me abraça, dá sinais de que vai chorar e diz: "Não, porque estou contente". Há quantos anos nos conhecíamos, nos conhecemos, e você nunca fez assim! É a saudade do lugar, das quatro paredes em que estar para ficar junto com o homem vivo, lançado no consumir-se* da paixão para que Cristo seja reconhecido, que a sua fé se comunique, lançado na missão.
"Eu sou Mañara, aquele que mente quando diz: eu amo. Mas porque disse ao Eterno que o amava, o meu coração é alegre e as minhas mãos são desejáveis como pães": desejabilidade. "Eu sou Mañara. E aquele que amo me diz: estas coisas não existiram. Se roubou, se matou: que estas coisas não tenham existido! Só ele é!" 13. É todo este trecho de Mañara que é preciso ler, pensando no exemplo que nos deram, que nos dão os amigos de Nazaré, os nossos três companheiros que estão levando uma vida em comum, vivendo uma casa em Nazaré.
"Caríssimo padre Giussani, um caro abraço e votos de Boa Páscoa da casa de Nazaré. No Natal, um de nós voltou [foi embora, voltou para a Itália]. Esse momento dramático nos colocou frente a uma posição irrenunciável: esperar a nossa energia de impacto com o real somente do Acontecimento de Cristo, jogar-nos totalmente na oferta da nossa vida, no pedido de piedade e de ajuda à Sua misericórdia. No sofrimento e na confusão, foi-nos pedido que colocássemos a nossa confiança na Sua iniciativa, que abandonássemos qualquer projeto nosso para obedecer e para obedecer em primeiro lugar, no trabalho cotidiano, ao Prior [aqui, do convento. Tão longe de nós, tão diferentes, mas nunca tão distantes e tão diferentes que não se possa admirar como vivem, a consciência com que vivem, a precisão com que vivem na oração, nas relações fraternas e no trabalho banal de todos os dias, estes três amigos nossos]. Descobrimos que estávamos aqui para construir dentro do hospital a visibilidade da relação de unidade e amizade com as comunidades dos frades e das irmãs [não entre nós apenas, mas com as comunidades dos frades e das irmãs], amando-os assim como são, e afirmar isto diante de todos. E isto pedia, antes de qualquer outra coisa, a nossa mudança. Com surpresa fomos novamente despertados para o fato, e o redescobrimos, de que aquilo que você diz muda verdadeiramente o ser da nossa vida. As suas palavras indicam um valor de mudança real do nosso eu. A chegada de Gualtiero nos confortou, na certeza de que somos amorosamente acompanhados, para que aprendamos a viver uma experiência que nos renova abraçando-nos e abraçando todas as situações. No trabalho, estabelecemos um organograma e fizemos um inventário, avaliamos os custos previstos e a sua racionalização, lançando os primeiros instrumentos para a direção das operações do hospital dos Irmãos Hospitaleiros. Começamos relações estáveis com as autoridades e instituições de saúde locais [isto é, hebréias]. Ao mesmo tempo, começou um trabalho de Escola de Comunidade com uma família árabe de Nazaré. Fomos chamados à paróquia para um testemunho e um início de relacionamento com os jovens. Existe uma atenção e um pedido pela presença da nossa experiência aqui, para conhecer quem somos, por parte de muitas pessoas. Esperamos e trabalhamos com alegria pelo desenvolvimento deste início dramático, mas real e belo, sobretudo porque nos damos conta cada vez mais pessoalmente de que não existe divisão entre a vida da casa, o trabalho, o Movimento e o nosso ser no mundo, mas tudo é parte da descoberta contínua da nossa vocação [mais do que vivos!]. Recordamos sempre você a Nossa Senhora, todas as vezes que vamos à gruta da Anunciação e à casa de São José. A ajuda deles é real e experimentável a cada dia. Ir lá, para ver aquele lugar, faz-nos fazer memória do Acontecimento que ali foi gerado por um 'sim', como o de Pedro, o 'sim' de Maria. É através deste nosso 'sim', em que ecoam o de Pedro e o de Nossa Senhora, que a Anunciação, o anúncio do Grande Acontecimento continua presente".


Eu pretendia fazer uma síntese existencial de tudo o que dissemos do mês de agosto do ano passado em diante. "Deus: o tempo e o templo", "Reconhecer Cristo", "Deus e o homem" reconduzem tudo o que exprimem a uma só palavra: eu. Eu: a sua existência, a minha existência, a nossa existência. E a ela é confiado tudo o que o Pai quer do universo: a glória de Jesus. Mas para experimentar isto não se pode somente aderir por uma obediência estéril, estéril no sentido do Espírito: é preciso realizar que Cristo é a Presença que constitui você, que constitui o mundo, "Tudo n’Ele consiste" 14. A Sua glória, que todos reconheçam que Ele é, que todos reconheçam o que Ele é para a realidade humana inteira, para a história inteira: este deve ser o nosso objeto apaixonado. Então tudo o que dissemos este ano adquirirá sentido. Para estes três amigos nossos, a casa – com menores discursos do que aqueles que nos foram feitos – tornou-se muito mais do que a maior parte de vocês sente ser a casa. As quatro paredes do Padre do deserto de 1500 anos atrás... de repente, darmo-nos conta de sermos precedidos naquilo que achávamos ser a nossa descoberta: é a coisa mais bonita que possa existir!
Por isto, a graça que devemos pedir a Nossa Senhora – por estas intenções será celebrada a Missa hoje – é a de uma certeza cada vez maior. Porque é a certeza que desmancha a incerteza do mundo, que dá a base às montanhas e não nos deixa tremer diante dos terremotos mais desastrosos. Como dizem os salmos: os salmos são o lamento de um povo que ainda não tem isto. Da mesma forma como os profetas são a voz dos poetas que sentem a atração imaginosa daquilo para que o povo é feito e que não se converteu ainda em pão para comer e em vinho para beber. Para nós, o pão para comer e o vinho para beber irão se traduzir dentro de poucos minutos. Mas o compreenderemos – no sentido etimológico da palavra –, o entenderemos, o abraçaremos ou permanecerá, em nós, fora de nós.

(traduzido por Durval Cordas)

Notas:

[1] “Christe, cunctorum dominator alme”. Hino da dedicação do templo. O texto integral do hino foi publicado na edição nº 44 de Litterae Communionis, março/abril de 1995.
[2] O. V. Milosz, Miguel Mañara.
[3] Didaquê, IV.
[*] * No original, em italiano, “struggimento”. Esta palavra, no texto, vem traduzida de maneiras diversas, para a melhor adequação a cada contexto. O conceito que exprime, de qualquer forma, é o de um “consumir-se apaixonado” ou “uma paixão que consome”. Marcamos com um asterisco a sua aparição ao longo do texto, ora como substantivo, ora como adjetivo (ndt.).
[4] Cf. 2 Cor 5, 14ss.
[5] Dos “Discursos” de Santo Agostinho, bispo.
[6] Dos “Discursos” de Santo Efrém, diácono.
[7] Lc 18, 1-8.
[8] Cf. Jo 3, 35.
[9] Cf. Jo 8, 29.
[10] Fragmento dos “Padres do Deserto”.
[11] Cf. Rm 12, 5.
[12] Maria Barbara Tosatti, “Resurrezione”, in Canti e Preghiere, Brescia, Morcelliana, 1945.
[13] O. V. Milosz, Miguel Mañara.
[14] Cl 1, 17.