O "sim" de Pedro

Palavra entre nós
Luigi Giussani

Notas de um diálogo com jovens dos “Memores Domini”. La Thuile, 3 de agosto de 1995

André levou o irmão Simão até Jesus, subindo uma breve ladeira antes de chegar a uma pequena casa. Simão estava com os olhos fitos naquele indivíduo que o esperava a uma certa distância; estava cheio daquela curiosidade que caracteriza o homem, quanto menos é “educado” e mais é rico em vitalidade. Quando se viu ali, a três ou quatro metros: jamais esqueceria a forma como Ele o olhava! Como o fitava, como o olhava, como descobria o seu caráter, como percebia o seu tipo de personalidade: “Ninguém jamais me olhou assim!”. Ficou dominado por um fenômeno que, no dicionário, se chama maravilhamento. Tanto que se sentiu imediatamente apegado: se tivesse estourado uma revolta na praça contra aquele homem, ele teria tomado o partido daquele homem, mesmo que tivesse de morrer (você também faria o mesmo: não poderia deixá-lo!). Voltou para casa transtornado – como acontecera com seu irmão André. Não sei o que ele possa ter dito à sua mulher, porque São Pedro era mais esquivo para falar do que André, não consigo mesmo imaginar; consigo imaginar o que terá dito André, mas São Pedro não!
No dia seguinte, ao invés de ir cuidar dos seus deveres, isto é, pescar, correu para uma cidade próxima dali, porque soube que Jesus tinha ido para lá. E, de fato, estavam ali umas trinta pessoas; colocou-se no meio delas para escutá-Lo falar. Escutá-Lo falar: era como no dia anterior, quando lhe disse: “Simão, filho de João, tu te chamarás Pedro” 1, revelando todo o caráter profundo que o constituía.
E no dia seguinte, de novo, idem! Enquanto isso, a pesca ia de mal a pior. Mas ele era um outro homem, Simão era um outro homem: “Que pesca que nada! Minha mulher que pegue um pouco do estoque!”. Não podia deixá-Lo! Algum tempo depois, aquele homem, que já havia se tornado seu amigo (frequentemente iam à sua casa, ali perto, em Nazaré), convidou-os para uma festa de casamento. E mudou a água em vinho 2.
Não tinha medida a força de “resistência” que possuíam aqueles jovens homens: como não sentir as mãos e os pés atados àquele homem? Quem era como aquele homem? Quem falava daquela forma? “Jamais um homem falou assim” 3.
E no dia seguinte, de novo! Enfim, passaram-se três meses e Simão não se separava d’Ele; agora a mulher e os filhos podiam fazer o que quisessem... Mas não podiam! Aliás, sua mulher também ia junto; os filhos já grandes (dezessete, dezoito anos) podiam se virar: mas um dos dois filhos também ia junto. Eram três. E depois, seguiam-No por aqui e por ali: percorreram quase toda a Palestina. Jesus foi até a Judéia, onde tinha encontrado a maior hostilidade, porque os mais hostis a ele eram aqueles que todo o povo estimava: os fariseus, os professores de moral, aqueles que julgavam a todos, o “pool” de mãos limpas e alma suja.
Prestem atenção. À medida que Simão ia atrás dEle todos os dias – de manhã corria até lá e olhava para Ele, com os outros amigos: olhavam para Ele, ficavam atentos àquilo que dizia, aos Seus gestos, quando se ajoelhava para rezar, tanto que um dia lhe disseram: “Mestre, ensina-nos também a rezar” 4; eles estavam acostumados a recitar os salmos, ir à sinagoga, rezavam o dobro do que nós – , à medida que ia atrás d’Ele aquele maravilhamento inicial aumentava. De que era feita, psicologicamente, aquela impressão excepcional, aquele maravilhamento inicial? O maravilhamento inicial era um juízo que se tornava imediatamente um apego (como uma pessoa que vê você na colina setentrional de Bérgamo e diz: “Que bela mocinha!”, e se apega a você, entenderam?). Era um juízo que era como uma cola: um juízo que os grudava. Todos os dias passavam demãos de cola e não podiam mais desgrudar!
“Mas vocês nunca respeitam as leis! Todos os fariseus se escandalizam com o seu Mestre porque ele se junta a vocês, que nunca respeitam as leis!” 5. E os apóstolos não sabiam o que responder, mas diziam: “Não sabemos se não respeitamos as leis, mas estamos apegados a esse homem”. Não era um apego sentimental, não era um fenômeno emocional: era um fenômeno da razão, uma manifestação daquela razão que faz você se apegar à pessoa que está à sua frente, na medida em que é um juízo de estima; olhando para essa pessoa, nasce um maravilhamento de estima que faz você se apegar. Não há nem sombra de irracionalidade ou de exagero: “Se formos embora, aonde iremos? Só Tu tens palavras que explicam a vida” 6, disse-lhe uma vez Pedro, com a costumeira impetuosidade. Depois disso ele fez coisas piores, tanto que Jesus lhe disse uma vez: “Afasta-te de mim, Satanás! Pois não queres que eu faça aquilo que o meu Pai quer, mas aquilo que achas certo” 7. Que humilhação! Mas o resultado era que Pedro se apegava ainda mais!
Assim, uma vez, quando o barco atracou cheio de peixes, e o Senhor tinha preparado brasas com peixes assados em cima, e todos os apóstolos se deitaram para comer porque Ele os tinha convidado a fazer isso, e Ele também começou a comer com eles, e se viu ao lado de Simão – não é que tenha calculado: viu-se ali! – e lhe fez aquela pergunta (“Simão, tu me amas?” 8), aquele “sim” não era o resultado de uma força de vontade, não era o resultado de uma “decisão” do jovem homem Simão: era o emergir, o vir à tona de todo um fio de ternura e de adesão que se explicava pela estima que tinha por Ele – por isso é um ato de razão –, pela qual não podia deixar de dizer “sim”. E todo o monte de pecados cometidos, todo o monte de possíveis pecados que iria cometer não importava: não parou nem por dois segundos para pensar, nem mesmo se lembrou dos possíveis pecados (pobre cristo! Aliás, pobre São Pedro!).
Vocês entendem o jogo humano que está por trás dessas coisas? Que é o nosso jogo mais verdadeiro, mais autêntico: aquilo que nos torna mais amigos de quem é o mais amigo; aquilo que nos torna cheios de ternura para com a nossa mãe, que nos torna cheios de admiração por nosso pai, que aumenta com o tempo (e espero, nisso, ter-lhes dado um grande exemplo), que nunca pára. E não é irracional. É a única coisa racional! É uma amizade que não dependia dele, mas que tinha nascido nele por meio de um outro. Muitos escutavam Jesus e diziam: “Muito bonito!”, e depois iam embora; e neles não pegava essa amizade, essa ternura.
Usei a palavra decisão, antes, para dizer que a decisão não pode ser tomada em sentido voluntarista, como força de vontade. Pedro era como o publicano que ficava no fundo do templo, cheio de roubalheiras e pecados. Enquanto o fariseu dizia diante de todos: “Senhor, eu te dou graças porque não sou como aquele ali: não roubo, não cometo adultério, pago o dízimo, pratico todas as leis como posso, todas”, e o publicano lá atrás não ousava levantar os olhos e dizia: “Tende piedade de mim!”; e sabia que aquele pedido seria o que o Senhor mais acolheria; aquele pedido justificava tudo 9. Pedro não pensava nisso, não fazia uma relação dos pecados passados ou uma relação dos possíveis erros do futuro: aquele “sim” era o resultado, a definição de um relacionamento cheio de estima nascida como avaliação, como juízo, como gesto da inteligência que arrastava consigo o coração, um gesto feito existencialmente, à luz do sol, por uma ternura, tanto que ele e os outros prefeririam que passassem por cima do seu cadáver a traí-Lo (e O traíram! Prefeririam que passassem por cima dos seus cadáveres a traí-Lo, mas O traíram, até isso!).
Portanto, esse é o modo com o qual racionalmente o homem consagra a verdade e a dignidade do colega que encontra na rua ou do amigo que encontra em casa. Se não se compreende isso, não é que não se compreende mais a fé em Jesus: antes ainda de Jesus, não se entende a racionalidade do apego ao pai, à mãe, ao irmão, à irmã, ao noivo, a tudo. Não se entende mais nada, nada mais é possível. A única coisa concebível é o grito carnal de um ímpeto inclinado a uma satisfação física, e tão somente isso. E tão somente isso! É muito pouco!
A decisão, a natureza da decisão é um ponto para se ter bem presente. Vocês devem falar disso entre vocês, perguntar aos mais adultos, procurar reexperimentar e refazer vocês o caminho. Porque aqui é absolutamente inútil partir de questões duvidosas, não há absolutamente nenhum motivo para isso: como O encontrou, como foi atrás dEle, perdia tudo nisso, era como se perdesse tudo: “Tamquam nihil habentes”, tornamo-nos por Ele pessoas que não têm mais nada, “et omnia possidentes”, mesmo assim possuímos tudo, diz São Paulo. A natureza da decisão não é um ato enérgico de vontade: “Frangar non flectar”, segundo a terminologia de um certo tipo de educação, até mesmo católica, ou segundo Vittorio Alfieri: “Quis, sempre quis, quis com toda a firmeza”! Que mentira! Porque o homem é frágil, é fraco, como uma criança. Se reconhece isso, começa a crescer. E não compreende que tipo de brincadeira é esse comportamento paradoxal da natureza. Mas diante de Cristo, do Verbo de Deus feito homem, nascido de uma mulher, que está aqui presente, a coisa é ainda mais evidente.
Essa decisão, portanto, nasce como o instaurar-se de uma simpatia, porque ninguém é como esse homem aqui, ninguém me tratou como esse homem. Eu era totalmente estranho para ele, mas da maneira como ele me olhava parecia minha mãe quando eu tinha cinco anos: uma ternura! Depois fui atrás dele por três meses seguidos. Cada dia aumentava a impressão de algo estranho, excepcional. E o maravilhamento aumentava. Como aquela vez no barco, quando houve a tempestade, e Jesus estava com seus discípulos e o barco enchia de água e ele dormia, dormia na popa de tão cansado que estava (“Quando chegou a noite, estava cansado de tanto que curara”, diz o Evangelho em um outro trecho). Os apóstolos começaram a ter medo, porque, quando a água chega a um certo ponto, é o barco que desce, não a água que sobe. Então Simão lhe disse “Mestre, Mestre!”, e ele não acordava, “Mestre, salva-nos, senão estamos perdidos!”. Ele se levantou, ajoelhou-se: “Mas por que vocês têm medo comigo aqui? Que pouca fé vocês têm!”. Depois de toda a história desse fio de maravilhamento, dessa certeza de juízo, dessa ternura inesgotável!? E deu ordens ao vento e ao mar, e fez-se imediatamente uma grande bonança. Literalmente “apavorados”, os seus discípulos, que por três meses tinham ido umas cem vezes à casa dEle, que conheciam Sua mãe, os degraus para entrar na cozinha, que sabiam muito bem de onde vinha e quem era (entre outras coisas, estava inscrito nos registros de Belém), aquelas pessoas que O conheciam havia três meses, que iam atrás dEle porque estavam apegadas a um juízo que os tornava capazes de uma decisão perfeitamente racional – porque a racionalidade é um acontecimento; quando gera um relacionamento, a racionalidade é um acontecimento; não é como estar diante de uma lógica, mesmo que se possa traduzir em lógica, mesmo que se possa sempre traduzir em lógica, porque os dois tipos de racionalidade nunca se opõem, caso contrário são errados todos os dois tipos de racionalidade –, aquelas pessoas tão persuadidas (eram os únicos sete ou oito no mundo já entusiasmados com Ele, que tinham deixado tudo por Ele) diziam entre si: “Quem é ele?”. Como você pode dizer: “Quem é ele?”? Você sabe muito bem quem ele é! É Jesus de Nazaré, o filho de José, o carpinteiro; aquele com quem vocês tomaram a água que depois – quem sabe como – tornou-se ótimo vinho; aquele que os fariseus (isto é, os intelectuais que escrevem nos jornais e os juízes de hoje) odeiam, aquele homem vocês conhecem muito bem! “Quem é este homem, a quem até o vento e o mar obedecem?!” 12
O mais bonito é o paralelo: os fariseus, um ano e meio ou dois anos depois, ao final de uma discussão na qual Ele os havia posto contra a parede – para o povo, a um certo ponto tinha se tornado um espetáculo ir ouvi-Lo discutir com os fariseus, para ver como Ele os colocava contra a parede: os fariseus faziam as perguntas mais difíceis e ele, com simplicidade, punha-os contra a parede! Por isso as pessoas gostavam que os fariseus perdessem! –, disseram-lhe textualmente as palavras: “Até quando nos manterás com o ânimo suspenso? Dize de onde vens e quem és” 13. Vocês o têm nos registros de Belém! Vão lá ver! Mas ele não lhes respondeu assim, porque se tivesse respondido assim, se tivesse puxado sua certidão de nascimento, milagrosamente fotografada à noite, e lhes tivesse dito: “Eis quem eu sou”, eles não teriam acreditado da mesma forma!
Assim, pode ser que aconteça a qualquer um dentre nós, que por um, dois ou três meses, ou por um ano, talvez, não acredite, não acredite mais. Não acredita, e sabe que está errado. Você sabe que está errado, que está traindo alguma coisa, porque outro dia era tão evidente, aliás, enternecia o seu coração.
É muito importante que vocês se dêem conta do que quer dizer a palavra decisão, que natureza tem a decisão. É idêntico ao relacionamento que há entre mim e você! É idêntico! É uma decisão o que me faz tomar o seu partido. Se me matassem, não poderia mudá-la, não posso mudá-la! Uma posição, um fenômeno cheio de razão e de afeição, que cria um coração diferente.
(extraído de L. Giussani. L’attrattiva Gesù. Milão, Rizzoli, 1999, p. VII-XIV)

(traduzido por Eliandro Pereira da Silva)

Notas:

[1] Cf. Jo 1, 42.
[2] Cf. Jo 2, 12.
[3] Cf. Jo 7, 46.
[4] Cf. Lc 11, 1.
[5] Cf. Mt 9, 11; Mc 7, 5.
[6] Cf. Jo 6, 68.
[7] Cf. Mt 16, 23; Mc 8, 33.
[8] Cf. Jo 21, 15.
[9] Cf. Lc 18, 9-14.
[10] 2 Cor 6, 10.
[11] V. Alfieri. “Lettera responsiva a Ranieri de’ Casalbigi”, Siena, 6 de setembro de 1783. In: Tragedie, Paris, 1888, I, p. LXXX.
[12] Cf. Mt 8, 27; Mc 4, 41; Lc 8, 25.
[13] Cf. Mt 13, 53-56; Mc 4, 41; Jo 10, 24.