O "sim" de Pedro como ímpeto de cada dia

Palavra entre nós
Luigi Giussani

Apontamentos de um encontro de Luigi Giussani com adultos de Milão,
23 de setembro de 1995



Luigi Giussani. "Naquele tempo, Jesus disse: 'Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque mantiveste ocultas estas coisas a quem se crê sábio, aos inteligentes, e as revelaste aos pequenos. Sim, Pai, assim foi do teu agrado'" (Cf. Mt 11, 25).
Invoquemos o Espírito, para que nos torne simples no caminho que fazemos seguindo a Cristo e rumo a Cristo.

Discendi Santo Spirito

Giuseppe Zola. O quinto capítulo da Escola de Comunidade, sobre a qual estamos trabalhando, ensinou-nos que os frutos da árvore constituída pela autêntica vida cristã são expressos pelas quatro palavras do Credo, ou seja: unidade, santidade, catolicidade e apostolicidade. A nossa companhia – esse povo que nós somos graças à educação que recebemos, seguindo e obedecendo ao carisma que nos foi doado dentro da Santa Madre Igreja – nos faz ver todos os dias, se o nosso olhar é o dos pobres de espírito, que aquelas quatro palavras não são distantes e abstratas, mas constituem uma experiência possível; possível apesar da nossa fraqueza e da nossa presunção.
Seguindo o Movimento, é realmente possível viver assim, como nos demonstraram nestes últimos tempos dois grandes amigos nossos que o Senhor já chamou misteriosamente ao seu destino eterno, de modo tal que em relação a eles, mesmo que com temor e tremor, podemos pronunciar, penso, a palavra "santidade".
Lorenzo, de Milão, concluiu a sua tarefa terrena em 5 de agosto, depois de uma extremamente longa e dolorosa doença vivida por ele com plena consciência e com absoluta obediência à vontade do Pai e às indicações dos companheiros de caminho (familiares e Fraternidade). Depois da sua morte, soube-se que em fevereiro de 1986, durante uma visita ao Santo Sepulcro, em Jerusalém, Lorenzo, quando carregava – como se costuma fazer – a cruz ao longo do Calvário, assim pensou e assim se dirigiu ao Senhor: "A cruz que eu agora carrego é leve e fácil de carregar. A Tua cruz era verdadeira e era pesada. Gostaria de Te ajudar, ó Senhor, a carregar a Tua verdadeira cruz!". Três meses depois, os médicos lhe diagnosticaram a grave doença, prevendo para ele apenas seis meses de vida. Desde então, ele não fez outra coisa senão confiar-se com simplicidade e com decisão ao que a autoridade do Movimento lhe indicava: seguia até nos detalhes e sem nenhuma margem de interpretação. Foi mais de uma vez a Fátima e todas as vezes, quando voltava, a doença regredia ainda por muito tempo. Mesmo conhecendo plenamente sua própria situação, e estando portanto consciente da brevidade do tempo, ele era muitíssimo apegado à vida em cada um dos seus instantes, independentemente do que fosse acontecer. E assim se tornou, nos últimos anos, um promotor, cheio de autoridade, de vida autêntica entre nós: na sua Fraternidade, no compromisso extremamente fiel com a Escola de Comunidade, no interesse pelas nossas missões, na participação da vida do seu ambiente de trabalho (o do tribunal), no apoio sereno, pacato e sólido a qualquer um que lhe pedisse ajuda ou conselho, sendo para todos fator de unidade entre nós, na educação amorosa dos filhos e dos amigos que hoje estão vivendo a experiência de um empenho mais claro e intenso, que tem já o sabor da ressurreição.
Felícita, da cidade de Nova Milanese, escolheu com simplicidade e humildade o sacrifício maior, que é dar a vida pela obra de um Outro: assim foi escrito no folheto que anunciava o seu funeral. Felícita se deu conta, quase ao mesmo tempo, de que era assaltada por um tumor maligno e que carregava em seu ventre, dezoito meses depois do nascimento de seu primeiro filho, uma segunda criatura. Felícita também não trapaceou um só instante. Sendo uma cientista – colaborava com as pesquisas do Departamento de Química da Universidade Estatal –, viveu com lucidez a sua situação, assumindo em silêncio uma posição que muitos dos seus colegas de pesquisa não compartilhavam. De fato, Felícita seguiu um único critério: aceitar submeter-se apenas a tratamentos que com certeza não fossem trazer dano algum à criança que iria nascer. Este juízo preciso e amoroso fez com que ela recusasse da maneira mais amorosa e serena submeter-se à quimioterapia. O que foi fatal para ela, mas salvou Riccardo, seu filho, que nasceu em 28 de agosto passado, aos seis meses e meio de gestação; ao passo que ela, depois de ter conseguido abraçar o filho e ter dito com auto-ironia (como recorda com grande serenidade o marido) que tinha medo e que era preciso rezar a nosso Jesus misericordioso e a Nossa Senhora, porque ela também tinha um "Grande Prêmio" para vencer (naqueles dias, havia corrida em Monza e ela ouvia o barulho dos motores), depois de tudo isto, Felícita morreu na sexta-feira, 8 de setembro. O nosso grande Renato Farina chegou a escrever em Il Giornale que pessoas como Felícita não salvam apenas a criança, mas participam de um trabalho imenso de redenção. A vida dentro do Movimento tornou simples uma escolha tão extraordinária. E pode ser assim para cada um de nós.
Pessoalmente, entendo que o testemunho destas vidas doadas pela obra de um Outro nos obriguem a uma cada vez menor resistência às urgências às quais, através da vida e da obediência ao Movimento, o Senhor hoje nos chama.
Hoje compreendo – porque o vejo – a frase da Didaquê que padre Villa há mais de vinte anos escrevera nas paredes de sua casa: "Buscai todos os dias o rosto dos santos e tirai conforto das suas palavras". Se purifico o meu coração, compreendo que à minha volta, na vida concreta das nossas comunidades, dos nossos grupos, das nossas famílias, há mais santidade do que se possa imaginar. Olhar para estes irmãos e para estas irmãs talvez seja o primeiro indício de uma atitude moral nova, como me era recordado há poucos dias durante um encontro: “Quem não sabe olhar para os próprios irmãos estimando-os mais do que a si próprio não encontrará nem mesmo o 'mais do que si próprio' que tem por dentro”.
Mas há mais. Compreendo que diante da cotidianidade heróica de Lorenzo e de Felícita sou chamado a viver com maior dignidade o tempo que me é dado, e isto significa dedicar a vida a construir – até com sacrifício – a unidade do Movimento, porque sem esta unidade venceria inexoravelmente o conformismo do mundo, tão forte à nossa volta e tão capaz de nos fazer esquecer a esperança. A nossa unidade é o discriminador concreto de todas as nossas ações. Podemos fazer tantas coisas "em nome" do Movimento, mas não segundo a mente e o coração do Movimento. Que Lorenzo e Felícita nos ajudem a fazer tudo segundo aquele dom do Espírito que nos foi doado no Movimento.
Mas os efeitos milagrosos e inesperados dentro das nossas comunidades, isto é, dentro da nossa realidade de povo, não são exceções isoladas; muitos encontros recentes testemunham isto. Leio a vocês, a propósito disto, o breve escrito que Madre Teresa de Calcutá endereçou em 9 de agosto a padre Giussani: "Caro padre Luigi, obrigada por ter compartilhado, com a oferta de vocês, as nossas obras de amor entre o mais Pobre dos pobres. Deus ama tanto o mundo, a ponto de enviar... de doar vocês e a mim para sermos o Seu amor no mundo de hoje. O amor de Deus e o nosso amor nada mais é que uma contínua doação, até o ponto de sermos feridos por esse amor. A minha gratidão é a minha oração pelo senhor. Deus o abençoe. Madre Teresa".
E Deus abençoa os frutos da nossa educação. O lugar onde em primeiro lugar se vêem os frutos diversos é a novidade existencial dentro da qual se começa a perceber o que é o matrimônio, fundamento do devir da natureza humana e da história. Vemos estes frutos, por exemplo, no convite de casamento que Roberto e Elisabetta imprimiram para os seus amigos, onde sobressai a fotografia da torre de Varigotti – quase como a dizer: "O gesto que realizamos é em função de uma grande história" – e onde foi transcrito este trecho, tirado do livro de padre Giussani O tempo e o templo: "O que você ama o define. Santo Tomás diz: 'A vida do homem consiste no afeto que principalmente o sustenta e no qual encontra a sua maior satisfação'. Este é o critério que define um povo. Um povo: um homem e uma mulher que se casam, uma família, uma casa do Grupo Adulto, um convento de frades, um mosteiro de monges. (...) Mosteiro, convento ou casa são, por isso, aquele lugar criado para que aqueles que ali moram gritem diante de todos, a todo instante – toda a sua vida é feita para isto – que Cristo é a única coisa pela qual valha a pena viver, que Cristo é a única coisa pela qual valha a pena que o mundo exista".
E, ainda, Juvenal Ñique Ríos, peruano, militante revolucionário que conheceu Che Guevara, encontrou CL através de seu filho, Oscar. Em uma entrevista que sairá em Litterae, depois de ter manifestado o seu entusiasmo pelo fato de que o Movimento seja um poderoso instrumento de educação à humanidade dos jovens, disse: "Penso que o instrumento é dado. Tudo depende de quem o utiliza. A lanterna existe e, com ela, a firmeza do braço que a conduz, para que a luz se estenda. Este é o significado do meu encontro com Comunhão e Libertação".
Por outro lado, todo o período de férias que acabamos de passar 1 foi um grande testemunho que confirma tudo aquilo que estou dizendo: as férias comunitárias, que foram em muitíssimos casos um surpreendente acontecimento de unidade, testemunhada a tantas pessoas que pela primeira vez nos encontraram; o Meeting, onde o amor pela procura de uma resposta que existe e a paixão por um verdadeiro encontro humano fizeram com que se reunissem tantas e tantas pessoas, em uma experiência de serena convivência que tem poucos precedentes; a Assembléia Internacional de La Thuile, que com grande maravilha reuniu os responsáveis do Movimento provenientes de quarenta e quatro países do mundo. Todos estes acontecimentos testemunharam a existência e o crescimento de um povo para com o qual aumenta a nossa responsabilidade, pelo qual cada um responde em primeira pessoa.

Giorgio Vittadini. O que foi contado por Zola a respeito dos testemunhos pessoais descreve também a maneira como tantos entre nós se movem na sociedade. Escreveu padre Giussani no livro É possível viver assim?: "Que coragem é necessária para sustentar a esperança dos homens!". A nossa única riqueza é o encontro que fizemos na forma histórica do carisma ao qual pertencemos. Só isto pode tornar constante a ação da Companhia das Obras – que por graça de Deus existe, e existindo convida a todos nós para uma nova vontade, empenhada em construir –. Só isto pode dar a energia, a força para realizar obras não movidas por heroísmo humano, mas por uma caridade como "dom de si, comovido".
Por esta concepção de caridade um grande empresário de Milão e sua mulher dedicaram-se com paixão e sacrifício aos doze mil favelados de Salvador da Bahia, construindo creches e obras no setor de saúde. Por motivo análogo, a AVSI e muitos outros entre nós compartilham com continuidade a sorte dos povos mais atingidos no mundo pelo ódio e pela negação de um significado presente: os povos da ex-Iugoslávia, de Ruanda, da Romênia, do Cazaquistão e da Sibéria.
Movidos pelo amor a tudo e, em particular, à Igreja – que o chamado de atenção a esta consciência gera –, muitos amigos nossos participam em primeira pessoa, em todo o mundo, da obra dos Irmãos Hospitaleiros, a Ordem Hospitaleira, que vive há mais de quatro séculos e é uma das expressões mais características da caridade católica. Movidos pela paixão pelo homem concreto, que é o centro da verdadeira caridade cristã, numerosos adultos, em Milão, envolveram-se com os jovens recém-diplomados nos primeiros passos depois da Universidade, contribuindo com a sua formação e ajudando-os a procurar trabalho, e pedem a todos nós um análogo envolvimento.
Mas esta renovada paixão pelo verdadeiro motivo pelo qual fazer as obras é sinal, mais em geral, de um novo ímpeto missionário: uma audácia a testemunhar sempre e em toda parte o que encontramos. O conteúdo último do desejo da alma é, de fato, que Cristo seja conhecido e que a vida se torne plena já neste mundo através da fé. Assim, alguns amigos nossos de Nova York, tocados por um artigo do New York Times a respeito da situação da Igreja hoje, telefonaram ao jornalista pedindo para encontrá-lo para lhe contar sobre o Movimento. Escreveram a padre Giussani: "Contamos a nossa experiência e o jornalista fez uma comparação com certos movimentos estudantis dos anos 50 e 60, quando ele era jovem, e a sua tristeza era que estes movimentos não existem mais. Era óbvio, pelas suas perguntas, que pensava que fôssemos uma organização. John lhe explicou que quem nos guia nos ajudou a compreender que Cristo é um acontecimento e que o cristianismo não é um conjunto de regras morais. O jornalista disse que aqui os jovens são indiferentes à Igreja e que é realmente trágico que nem ao menos saibam o que são os sacramentos. 'Eu gostaria de ver o que acontecerá aqui dentro de dez anos', acrescentou. Nós concordamos sobre o fato de que as polêmicas entre conservadores e liberais ou a redução da Igreja a organização deixam apenas um grande vazio, preenchível somente se a pessoa encontra a verdadeira vida, onde existe a presença de Cristo. A esta altura, John explicou a ele o método da Escola de Comunidade. Na metade do encontro, parecia menos formal e mais cordial. No final, pediu-nos os nossos endereços e números de telefone. Não sei se ele vai escrever sobre o Movimento na sua coluna, mas a minha opinião pessoal é de que estava um pouco tocado por nós".
Mas esta nova consciência tornou-se também o nosso rosto público: um povo, cuja paixão é que Cristo seja conhecido. Isto – entre todas as tendências ilusórias por parte de nós ou as acusações por parte dos outros (por exemplo, na questão política) – esclareceu-se este ano, antes do Meeting de Rimini. Por isto, o nosso rosto público é feito hoje também dos livros da Coleção Rizzoli 2. Por isto, a Escola de Comunidade tornou-se uma introdução à realidade não apenas para cada um de nós, mas também para qualquer um que encontremos: nasceram, assim, muitas escolas de comunidade com empresários, políticos, personagens públicos; por isto, foi enviada aos Secretários de todos os partidos uma carta com a qual nos fizemos disponíveis a colaborar com todos em uma educação de jovens e adultos. Diz a carta: "Ousamos propor aos líderes das várias partes políticas e àqueles que nelas se reconhecem a tentativa de uma colaboração educativa em um campo normalmente pouco conhecido, o do sentimento religioso, conscientes de que nenhum de nós já aprendeu o bastante. Nós temos um "guia" que repropõe, de um modo que se tornou persuasivo para dezenas de milhares de adultos e sobretudo de jovens, a experiência milenar da Igreja, à qual certamente não é indiferente a tradição do nosso povo. Este guia é feito de um conjunto de textos que chamamos entre nós 'Escola de Comunidade', ou seja, educação a reconhecer os motivos pelos quais vale a pena compartilhar a vida e prosseguir unidos, seja dentro da pessoa como entre as pessoas". Todos temos um compromisso nos próximos meses com este trabalho.
Tudo isto pode criar um clima afetivo perfeitamente racional, como sobressai deste testemunho que um profissional de Chicago dá ao seu amigo Johnatan: "Refletindo sobre a Assembléia Internacional dos Responsáveis, entendi que ecumenismo e missão só podem ser o resultado da percepção de cada um de ser amado. Lembro-me do momento em que padre Giussani abraçou você. Senti-me abraçado naquele abraço. Aquele abraço foi um gesto espontâneo para você e para todos nós dos Estados Unidos. O abraço tornou-me concreto o fato de que este homem, que nunca encontrou ou falou com muitos de nós, agora nos ama como um pai ama os seus filhos. A razão pela qual permaneci nesta companhia é que desde o início fui amado com este mesmo amor pelos amigos que encontrei. O profundo interesse deles por mim – que sou tão indigno, não amável – é o que me atraiu. A missão cresce pelo fato de sermos amados por um outro. Ecumenismo é aquele profundo interesse pelo outro, pelo seu destino, porque você quer para ele o mesmo grande amor que encontrou para você mesmo. Como é possível deixar a minha família, vir para a Itália, encontrar pessoas estranhas e começar a falar das coisas mais próximas ao meu coração? Só é possível porque aquele estranho encontrou o que eu encontrei. O desejo de que cada um encontre o que eu encontrei é o ecumenismo. Reconheço que Cristo é para cada um, por causa da inegável evidência de ser amado por Cristo através dos meus amigos, do Centro, destes amigos particulares que agora são irmãos e irmãs porque são amados pelo mesmo pai".

Giancarlo Cesana. A nossa amizade – como justamente descreveram Vittadini e Zola – é um povo. Retomando o que disse padre Giussani na Assembléia Internacional dos Responsáveis do Movimento, vale a pena recordar alguns pontos salientes da história deste povo. Na história do nosso povo, podemos aprender a reconhecer mais claramente as descobertas, os problemas e as perguntas, em uma palavra, os passos que constituem também a nossa história, a nossa história pessoal. Na história do povo, podemos aprender a reconhecer mais claramente o que somos e aquilo em que nos tornamos.
Tudo começa sempre – eu chegaria a dizer: a cada dia – de um acontecimento: um acontecimento, o encontro com uma Presença excepcional, inesperadamente correspondente ao que o coração busca sem nem mesmo saber. Depois vem a verificação e, dentro da verificação, a prova; a prova do mundo sem Cristo, com o qual nós somos misteriosamente solidários. Pode acontecer que cedamos ao mundo. Pode acontecer que cedamos devagar, como dizia Josef Zverina, o grande teólogo tchecoslovaco que em 1970 enviou a Carta (infelizmente esquecida por muitos) aos cristãos do Ocidente; ou então pode acontecer que cedamos rapidamente. O ano de 1968 pareceu, para muitos, um momento em que se cedia "de um golpe". Alguns, todavia, permaneceram fiéis, à maneira de Pedro: "Se não acreditamos naquilo que vimos, não podemos acreditar nos nossos olhos". Mas a mentalidade era a mesma de todos. Nós também, de fato, podemos permanecer fiéis, mas com a mesma mentalidade de todos.
É ainda Zverina, citando São Paulo, quem nos admoesta: "Não vos conformeis!". Assim, com a mentalidade de todos, naqueles anos a libertação – que vem da comunhão e não das análises ou da revolução – correu o risco, e ainda pode correr este risco, de ser uma demonstração dada não por Deus, mas pela nossa obstinação; pela nossa obstinação em ser como os outros, melhores do que eles em alcançar os seus objetivos. Daqui vem o cansaço, a usura, que inevitavelmente surgem em quem, correndo atrás de critérios e projetos ditados por outros, esquece-se de si.
Justamente desta observação do cansaço deu nova partida padre Giussani, quando interveio em uma reunião dos universitários em 1976. Disse – e freqüentemente ainda o ouço dizer –: "Não!". O nosso objetivo não é realizar projetos capazes de mudar a sociedade e a política. O nosso objetivo é anunciar a mudança cheia de mistério que Cristo produz em nós: a Sua unidade, a Sua afeição, o Seu gosto pela realidade, o cêntuplo, tão desejado e experimentado quanto impossível de ser imaginado e de ser feito unicamente com as nossas forças. Certamente, também por experiência pessoal, podemos dizer: quem teria pensado, no frenesi dos anos 70 ou mesmo no frenesi das nossas preocupações organizativas, em uma presença em cinqüenta e nove países!
Não é o êxito que nos define, mas a origem, o ponto de partida. A libertação não vem de mim ou de você, que é como eu, mas de Deus, o Destino, o Destino que se fez homem e companhia para nós. Começou assim – na metade dos anos 70 – o tempo da originalidade e da liberdade. Não mais complexos de inferioridade, não mais – ao menos aparentemente – temores de usar de todas as ocasiões: a aventura humana pode ser percorrida inteiramente e sem reservas. Ainda que – pensando bem – nem todos tenhamos cumprido aquela passagem de 1976: quantos de nós ainda estão envolvidos nas névoas de um "sessenta-e-oitismo" pálido e inconsciente!
Mas padre Giussani, na Assembléia Internacional dos Responsáveis, introduziu uma outra questão, que é a questão de hoje, que é radicalmente a questão da nossa época; questão talvez vislumbrada por quem fez seriamente a Escola de Comunidade e leu os livros da Coleção Rizzoli. Qual é a palavra que triunfa em uma época moralista como a nossa? Não é a palavra "razão", mas, justamente, uma palavra moral: a palavra "liberdade". Como diz padre Giussani na síntese da Assembléia Internacional, que convido vocês a lerem atentamente (foi publicada na última edição de Litterae): "A liberdade acrescenta à razão uma aura sugestiva, a vibração de um respiro cheio de frescor e, sobretudo, um retorno da realidade à mão dominadora do homem", à autonomia, ao decidir tudo por si, ou seja, como observa ironicamente padre Giussani, "do juízo teórico ao uso do garfo". Como diz a nossa amiga Natalia Jurevna, docente em Niznij Novgorod, a liberdade mal entendida é a última e mais perigosa expressão do racionalismo. O que equivale, para nós, a declararmo-nos discípulos sem nos reconhecermos filhos. Como me sugeria ontem padre Giussani: "Os discípulos sabem de cor e repetem e, se são pessoas presunçosas, acrescentam e modificam por conta própria; os filhos, ao contrário, assimilam a natureza do pai, de forma tal que a arquitetura da obra do pai será completada pela genial arquitetura dos filhos".
Não, portanto, a liberdade não é autonomia, mas adesão ao Ser que se fez homem e, assim, amor à realidade, tendência contínua para um ideal, movimento contínuo rumo à totalidade da realidade como significado. Diz ainda padre Giussani na síntese da Assembléia Internacional: "Cristo é a palavra que define este significado. (...) [A libertação] não é mais o triunfo da liberdade que decide, mas é o triunfo de um olhar que ama". Mas esta é a questão de hoje.

Gerolamo Castiglioni. Depois de ter escutado Giancarlo contar alguns pontos salientes da nossa história, gostaria de deter-me sobre o terceiro ponto a que ele se referiu. Tenho uma pergunta a fazer: "De que se trata realmente?". Eu o compreendo, nós o compreendemos, nós entendemos o que diz o terceiro ponto tocado por Giancarlo? Nós o compreendemos tanto, a ponto de tê-lo no coração? Se não o compreendemos, torna-se mais difícil chamarmos mutuamente a nossa atenção sobre o percurso que somos chamados a fazer.
Quando é que a nossa Fraternidade é forte, quando é que é viva? Quando faz um monte de coisas ou quando somos capazes de vier juntos chamando a nossa atenção para a memória da presença de Cristo naquilo que fazemos? A memória da presença de Cristo em meio a nós. O que o terceiro ponto a que se referiu Cesana quer nos fazer compreender é o nosso carisma, o nosso método. É isto que hoje está em jogo. O ponto crítico a se compreender é como hoje vivemos a relação entre a nossa consciência e o conteúdo da fé – a relação entre mim e Jesus Cristo. Reconhecer a sua Presença, uma presença que me determina, muda a existência cotidiana.
Padre Giussani nos disse este ano em La Thuile: "Cristo não está, no céu, entre as legiões dos anjos, e, na terra, como índice de valores morais a serem respeitados! Cristo está dentro do meu relacionamento com qualquer coisa, com qualquer pessoa, em qualquer caso. (...) A ação, o momento humano e existencial é sinal do Eterno, exprime a relação com o Eterno, remete ao Eterno". Meus amigos, vocês compreendem que coisa grande é esta? O Mistério e o sinal coincidem. Na nossa companhia, chamar a nossa atenção mutuamente significa ajudarmo-nos a reconhecer este evento, significa chamar a nossa atenção para viver as conseqüências de tudo isto. O nosso carisma, o nosso método entram em jogo neste nível.
A genialidade do Movimento está no modo de conceber e viver o acontecimento cristão. São inimigos desta concepção do evento cristão o espiritualismo e um certo escatologismo. O espiritualismo divide o homem entre as coisas espirituais e as coisas materiais, quase como se as primeiras fossem superiores às segundas, e as segundas não tivessem nada a ver com as primeiras. O escatologismo lança para fora da história, do tempo, o cumprimento da redenção operada por Cristo. Nós, ao contrário, somos pela glória de Cristo no tempo. Seja como for, essa divisão pode acometer também a nós, com o risco de dissipar o conteúdo da memória de Cristo.
A distração que conduz inexoravelmente ao descuido do eu é a arma mais insidiosa do mundo hodierno. O homem, então, fica à mercê do próprio instinto, da sua imaginação; o humano regride e nos tornamos animaizinhos irritados. "A realidade será o nosso mestre interior", dizia Mounier. E Jean Guitton acrescenta: "Razoável designa aquele que submete a própria razão à experiência". O intelectualismo orgulhoso faz, porém, com que aumente a distância de Deus da realidade do tempo e das nossas ações. Corremos o risco de viver como pagãos ou como fariseus puritanos, se não somos mendicantes da presença de Cristo na nossa vida: nos relacionamentos que vivemos, nas circunstâncias que a vida nos chama a enfrentar.
Escreve o cardeal Martini na sua nova carta pastoral, Partamos novamente de Deus: "Aos ‘novos pagãos’, gostaria de chamar a atenção para o Mistério maior, como fazia Paulo diante dos órfãos dos ídolos do seu tempo. (...) Viver verdadeiramente, sem estéreis formas de renúncia, sem se deixar cativar pela enganosa tentação do pensamento frágil, significa deixar-se iluminar pelo grito de transcendência que habita no coração do nosso coração. Significa dar ouvidos ao dinamismo da nossa busca de um lugar ou de um evento onde o Outro se ofereça ao nosso espírito inquieto. Significa não pacificar a bom preço a inquietação interior, mas abrir-lhe espaços de inteligência e de desejo: 'Não é o conhecimento que ilumina o Mistério – dizia P. Evdokimov – é o Mistério que ilumina o conhecimento'".
Um de vocês me escreveu: "Freqüentemente me vejo cansado de suportar a realidade. O próprio trabalho de aprofundamento na busca da verdade da vida me escapa, carece de algo e cede sempre. Pergunto-me: quem pode me ajudar?". Esta pergunta do nosso amigo Marco poderia ser feita por cada um de nós. Então, que seria preciso fazer? De que se trata realmente? Que conseqüências tirar a nível pessoal? Que preocupação pedagógica deriva disto?

Luigi Giussani. Diante de tantas perguntas, permito-me concluir, mais do que responder detalhadamente, porque este é o trabalho que nos espera novamente este ano: o nosso trabalho é responder a estas perguntas, penetrar cada vez mais naquele valor último que corre por sob e sustenta cada respiro, cada traço de sentimento, cada particular segmento de relação com homens e coisas, e que é a relação entre o contingente (o efêmero) e o infinito Mistério que se fez um homem. Por isto é longo o caminho. Não porque é esforço para penetrar o Mistério (pois não sei o quanto isto não é mais uma presunção, uma projeção de uma fantasia nossa, de nossas emoções momentâneas, parciais, efêmeras elas também, do que um esforço real) que é insondável, que o homem não pode conhecer. Tanto que, como justamente você disse antes, o mundo apóia toda a sua permanência na distração. É uma coisa despudorada e repugnante, se alguém for pensar. Alguém que pense nisso diz: "Não posso tolerar uma coisa dessas!", mas depois tolera-a tranqüilamente, depois de um instante tolera-a tranqüilamente.

Respondo sinteticamente às perguntas que foram colocadas, visando o aspecto concreto ou metodológico-prático. A nós interessa sempre apaixonadamente este aspecto, porque é a obediência a um caminho ("método" quer dizer "caminho") que o Mistério veio nos ditar! Vão ler no segundo livro de Escola de Comunidade (Na origem da pretensão cristã) os capítulos dedicados ao emergir do problema cristão na história; releiam a página onde está aquela imagem do mundo como um grande campo em que todos os empresários buscam, através dos seus esboços ou programas, estabelecer uma relação entre o seu momento efêmero (que passa e amanhã não existe mais) e a estrela no céu – como diria Victor Hugo –, ou seja, o destino para o qual também é feito este homem frágil e efêmero. E, nesta busca, todos os homens, alarmados, mais ou menos, empenham-se. Até a busca apaixonada de uma família feita pelo rapaz bem crescido, instintivamente pronta como sentimento natural, é uma tentativa de alcançar a última estrela, o ideal último, o "aquilo pelo qual" somos feitos. Não quero agora estender-me; mas todas estas coisas nós as devemos recordar cem vezes, seguindo porém uma lógica. É este o caminho da Escola de Comunidade, o grande instrumento que sustenta a nossa obediência a um método que o Espírito do Senhor nos faz perceber como indicado pela natureza do nosso carisma, pela natureza do nosso movimento, que a Igreja não só não condenou, mas aprovou. Como que dizendo: "Este é um caminho pelo qual vocês podem ir". É o que me disse Paulo VI, na última vez em que o vi, em 23 de março de 1975, em um dia que deveria ser a grande festa de todos os jovens e só nós estávamos ali, vocês se lembram, 17.000 pessoas, dentro da sala Nervi, pela primeira vez concedida aos leigos, aos estranhos. De manhã, ao final da Santa Missa na Praça São Pedro, Paulo VI mandou que me chamassem (lembro-me de que eu tinha nas mãos a píxide 3 e queria dá-la a um guarda suíço, porque não sabia o que fazer com ela, até que padre Negri chegou, como sempre voando, para me tranqüilizar, tomando-a das minhas mãos) e eu me ajoelhei diante do Santo Padre, que neste meio tempo tinha chegado ao portão. Lembro-me somente das primeiras palavras que me disse – o resto, eu estava comovido demais para que pudesse reter na memória –: "Coragem, este é o caminho: vá em frente assim". Era a primeira coisa que me dissera quando, como Bispo de Milão, chamou-me para relatar-me a reprovação de todos os párocos de Milão pelo fato de que eu reunia juntos moços e moças e porque eu tirava as pessoas das paróquias (nós, porém, tínhamos feito um "inquérito" – não éramos tantos naquela época – e 97% daqueles que vinham conosco eram pessoas que quase nunca iam à igreja; e eu havia dito isto a eles); também naquele momento ele me disse aquelas mesmas e idênticas palavras, as primeiras e as últimas ditas a mim por Paulo VI: "Este é o caminho: vá em frente assim". Sem sentir as costas apoiadas nestas palavras, não se pode ir em frente com a presunção de ajudar. Quando eu me dirijo para falar e estão ali na minha frente 800 Memores Domini, ou então 9.000 universitários, como nos Exercícios Espirituais de dezembro passado, ou 16.000 adultos, como agora... Como é possível que alguém se dirija para falar? E, à parte isto, há uma dor que não é possível abrandar de modo algum: quem acompanhará vocês, quem ajudará você, você, quem ajudará a cada um de vocês, um após o outro? Quem poderá ajudá-los?
Então dizemos: meus amigos, unamo-nos, estamos dentro do caminho que o Senhor nos traçou. Como? Através daquele que é o nosso "carisma", reconhecido pela Santa Igreja, dom do Espírito, dom que o Espírito dá segundo o incontestável mistério do desígnio de Deus. O carisma é o dom – que o Espírito dá a um ou a outro – de um certo modo de perceber a fé que nos faz mais facilmente aceitá-la; de um certo modo de sentir a experiência cristã (a "experiência" cristã, porque Deus tornou-se "experiência") que nos torna atraente o que teria permanecido um dever – um dever, sentido somente pelos escribas e pelos fariseus, isto é, pelos "mestres" – e que torna criativo um coração que teria sido indiferente. Este é, como ouvimos antes, e de maneira comovente, o testemunho que dá a vida do Movimento.
Respondo agora à pergunta que você me fez, da melhor maneira que consigo. Caro padre Gerolamo, que é o responsável, diante de Deus e da Igreja, da nossa comunidade diocesana de Milão, a você digo: "trata-se" de responder a um chamado, a algo que se encontrou, que pretendeu ter um significado para a nossa vida, para o nosso destino e portanto para a vida de cada dia. Porque é o Destino que pode determinar da melhor maneira a vida de cada dia! A linha se torna cada vez mais reta (como me dizia o meu pobre avô paterno; é a única coisa que recordo dele como ensinamento; ele vinha me espiar quando, na primeira série do primário, eu fazia os tracinhos para aprender a escrever – eu os fazia todos tortos – e me dizia: "Olhe para o ponto! Fixe bem o ponto: parta daqui, olhe para o ponto e puxe um traço reto!", e assim o tracinho aparecia reto, mais reto – que é a lei pela qual a pessoa aprende a andar de bicicleta e também tantas outras coisas).
Trata-se, portanto, de responder em primeira pessoa a um chamado ou, para usar a palavra da Igreja, a uma "vocação". Aquilo que você encontrou, que de algum modo o tocou, que de algum modo interessou a você, porque você sentia que aquilo "mordia" a você mesmo, que de algum modo podia ser interessante para a sua vida, como destino e como hoje, como existência a ser vivida; aquilo que você encontrou chama-o a responder: você tem de lhe responder, tem de lhe corresponder – que é a mesma coisa. Portanto, trata-se da minha pessoa empenhada por um imprevisto e imprevisível acaso – ocasião – em que algo, que em nenhum outro lugar ela havia sentido, tocou seu coração, mesmo se levemente (mesmo uma pessoa que depois não vem mais, se no instante em que está ali fica atenta ouvindo você falar, quer dizer que foi tocada). A pessoa é tocada quando o que ouve ser dito ou vê ser feito interessa ao significado da sua vida, ainda que se costume negar a existência do significado (é o "pensamento frágil" de que falava o Cardeal). Quanta gente foi tocada pela nossa postura, pelas nossas palavras! "Você é diferente dos outros!". Quantos de nós ouviram isto!

Gostaria de descrever esta correspondência, esta resposta à pergunta, ao chamado. Trata-se de responder em primeira pessoa. Esta resposta em primeira pessoa tem como que dois níveis.
a) Antes de mais nada, quem foi atraído por esta impressão, por esta palavra, por esta marca diferente, por esta concepção diversa, quem de algum modo foi tocado por esta experiência tem de em primeiro lugar engajar-se na grande tarefa do chamado de atenção mútuo à memória de Cristo, "Aquele que está entre nós", agora, aqui, como disse há alguns anos um rapazinho, calouro da Universidade Católica, no início de uma colocação sua em uma assembléia. É a grande tarefa de chamarmos a atenção uns dos outros para reconhecer uma Presença. Porque Memória quer dizer reconhecer uma presença. Memória não quer dizer uma lápide do passado, porque o passado não move mais ninguém, não muda mais ninguém, dizia Kierkegaard. É algo presente que me provoca e me muda, que pode me mudar, que me abre para o futuro.
Reconhecer uma Presença. O primeiro nível da grande tarefa é chamarmos a atenção uns dos outros para reconhecer a Presença. Este é o dom próprio do Espírito: o Espírito de Cristo faz entender que Cristo está aqui, faz entender isto! É o "dom do Espírito", que nos é dado na fé do nosso carisma histórico. Dom do Espírito que se torna não apenas reconhecimento desta Presença, mas também moralidade gerativa de um povo, na medida em que cria um dever de obediência: a pessoa deve obedecer àquilo que encontrou, deve seguir aquilo que encontrou. Seguir, olhar e imitar são todas palavras análogas. Mas a expressão fundamental é a de São Paulo, que definiu assim o mérito de Jesus homem: "Foi obediente até a morte". Obediente até a morte; "dar a vida pela obra de um Outro", nós traduzimos, como obediência, nos termos últimos ditados pela autoridade da Igreja, através do carisma que nos ajuda a recordá-Lo dentro das circunstâncias concretas da nossa vida. Por isto, disse-se antes uma frase que procuraremos meditar e esclarecer, porque é difícil compreendê-la de imediato: o Mistério e o sinal coincidem (graças a isto, uma mãe que tem diante de si a sua criança pequena compreende bem que servir a Deus coincide com a sua dedicação à criança).
b) O segundo nível desta tarefa é oferecer a Deus, em todo e qualquer momento do dia, o que se está fazendo. Não é apenas o problema de reconhecer a Presença, de recordá-La, de tornar-se conscientes da Sua presença e, genericamente, obedientes à Sua estrada, ao Seu caminho, mas é oferecer a Deus, oferecer a Ele, como conseqüência, aquilo que se está fazendo, em qualquer momento. A memória para a qual devemos chamar a nossa atenção – este reconhecer Cristo presente, a Sua presença – reveste todas as nossas ações, "do juízo teórico ao uso do garfo", como disse antes Cesana. É o que diz São Paulo: "Quer comais, quer bebais; dormindo ou velando; vivendo ou morrendo" – tomou primeiro os parâmetros mais banais e depois o parâmetro último, o último!
A Memória reveste e plasma toda ação: toda ação! É isto que me divide, aparentemente, de você; de você, que não teve doze anos de seminário e todo o resto da vida dedicada a dizer estas palavras, procurando meditá-las tão logo fosse possível, de você, que nunca pensou nestas coisas, e as ouve serem ditas a você agora. Parece que estamos em dois mundos diferentes: não! Todas as suas ações tem de ser "oferta" a este homem, por este homem! Todas as suas ações tem de ser oferecidas. Mas que quer dizer "oferecidas"? Escapou-me antes a palavra "plasmadas". A memória de Cristo, a consciência de que Cristo está presente tende a plasmarqualquer ação minha: tende a me fazer falar como posso, a seguir uma ordem nas coisas como posso; o relacionamento com a esposa, os filhos, a escola, o trabalho, ou a paixão pelo trabalho, a precisão e a lealdade no trabalho, a dedicação ao bem público... tudo isto a consciência da presença de Cristo tende a plasmar. Assim, a presença de Cristo coincide com este sinal do Mistério, porque o Mistério vem à tona sensivelmente, torna-se experiência.
O Mistério torna-se experiência, uma coisa tocável. É o que diz São João aos primeiros cristãos: "O que vistes com os vossos olhos, o que tocastes com as vossas mãos, o que ouvistes com os vossos ouvidos do Verbo da vida", do significado do mundo. Esta é a loucura para os filósofos e o escândalo para os moralistas: que Deus seja tão facilmente "encontrável" a ponto de me fazer mudar tudo, as coisas que tenho entre as mãos e o modo como as carrego.
A oferta é também a suprema, isto é, a mais simples, exposição da adoração que o homem tem para com Deus. A Missa é uma oferta, a essência de qualquer oração é uma oferta; a oração, que é pedido, o que quer que você peça, tem dentro de si uma oferta, que pode até mudar as cartas na mesa. É o contrário da pretensão: porque, se você pede pretendendo, não há mais pedido. E com Deus ninguém pode ("Se tu és Deus..."; tantas vezes no Evangelho se lê esta frase: "Se és Deus, desce da cruz")! Por isso falamos tantas vezes do "sim" de Pedro. A oferta é o "sim" de Pedro, que brota como disponibilidade total a Cristo: disponibilidade total a Cristo reconhecido Deus, isto é, presente – reconhecer Cristo presente quer dizer reconhecer Deus, porque só Deus é o presente –. É desta disponibilidade, é do "sim" de Pedro que nasce a coerência moral, a possibilidade da coerência moral. Não que para dizer o "sim" de Pedro seja preciso ser antes coerentes. De jeito nenhum! O Senhor toma até o assassino que tem as mãos ainda sujas do sangue do dia anterior, toma-o e lhe diz: "Tu me amas?", e aquele ali, atordoado, diz: "sim". Pois bem, dali parte a coerência moral. A obediência às leis morais parte dali: não partimos de um esforço cognoscitivo nosso, de um esforço ético nosso, ativista, para depois chegar ao "sim, te amo"! É do "sim" de Pedro que nasce a tentativa de coerência moral em cada uma das ações, a coerência moral em cada uma das ações. Por isto, a memória plasma a ação: muda-a; se não a muda, não é justa, porque não se inspira, não haure e não tende para o Mistério, para a infinitude do Mistério.
A essência da moralidade é o amor, diz a teologia moral cristã. E o amor, como se lê no texto dos Exercícios da Fraternidade de 95, é um juízo comovido (move você) por uma Presença que você percebe conectada com o seu destino. Na respiração daquela jovem, datilógrafa no seu escritório, você sente algo que toca o seu destino.
"Quem tem esta esperança n’Ele, purifica-se a si mesmo como Ele é puro"; quem diz "sim", como disse Pedro, purifica-se como Ele é puro. "Como Ele é puro"? Caminho infinito! Através da cruz e da morte de Cristo, é a oferta da vida na sua concretitude (na concretitude dos pratos que se tem de lavar ou do silêncio que se deve ter diante do marido que fica bravo ou diante do exame no qual injustamente você foi reprovado): é a oferta da vida na sua concretitude. E é assim que nos tornamos um só corpo e uma só alma com Cristo e entre nós.
De que se trata? Desculpem-me se digo uma frase difícil: trata-se, portanto, da minha autoconsciência de homem que tende a se tornar consciência de Cristo, sujeito de todas as ações. É a consciência de Cristo que se torna sujeito de todas as ações: é a minha autoconsciência renovada. É o que diz São Paulo: o meu eu és tu; "Vivo, não eu, és tu que vives em mim". Não falo a freiras. Falo a pessoas que amanhã de manhã tomam o metrô! Trata-se, portanto, da autoconsciência que tende a se tornar consciência de Cristo no forjar a criatura nova. É um mundo novo que precede o paraíso! A glória de Cristo é no tempo, não no além: no além é a glória do Mistério do Pai. A glória de Cristo é neste mundo. Por isso, se eu me subtraio a este trabalho, eu subtraio, na história, glória a Cristo. Cristo é menos glorificado! É isto que me fazia "perder a cabeça" quando eu estava no ginásio no seminário. Mas agora compreendo que vocês podem dizer isto melhor do que eu naquele tempo, isto é, mais ingenuamente do que eu naquele tempo.

Deixo a vocês, portanto, a definição concreta da tarefa que nos damos para este ano. A tarefa é a dois níveis. O primeiro, mesmo que pareça abstrato e tão distante do dinheiro, do homem e da mulher, da saúde dos filhos, do sucesso no trabalho ou, antes ainda, sobretudo hoje, do fato de ter trabalho, o primeiro nível da tarefa é a memória de Cristo. Temos de procurar caminhar ao longo deste caminho, ajudar-nos a ter a memória de Cristo, a recordar Cristo, que é uma presença; devemos nos ajudar a nos dar conta da Sua presença, a reconhecer a Sua presença como consciência crítica do ser cristão. O que é que me define como cristão? O fato de que creio na Tua presença, ó Cristo. Presença! Devemos nos ajudar a reconhecer a Sua presença com a consciência "crítica" das razões que temos para falar assim – se convém, humanamente falando, se isto é útil à nossa família, à sociedade em que vivemos, se não nos faz perder tempo, se não é uma ilusão abstrata na qual fugir da dureza e do peso dos momentos que temos de viver, etc.
A mensagem para este ano, portanto, é a memória como consciência crítica do ser cristão. Mas como conseguirei isto – padre Gerolamo –, se você não me chama a atenção? Se você não chama a minha atenção para isto como amigo, se quando nos vemos falamos sempre de outras coisas (sempre, realmente sempre, de outras coisas)? E, no entanto, temos esta coisa no coração!
Na terminologia do Movimento, chama-se "Fraternidade" aquela amizade que sente como sua grave tarefa chamar a atenção do outro para a presença de Cristo. E, recordando-a a você, chamo para ela também a minha atenção. Chama-se Fraternidade.
Quantos vêm ainda perguntar-me: o que se faz na Fraternidade? Como se faz a Fraternidade? Você pode nos mandar um padre para nos ajudar na Fraternidade? Depois o padre vem e é como antes, porque ele também não sabe o que é e como é a Fraternidade. E depois: você pode nos mandar alguém do Grupo Adulto, alguém dos Memores Domini? Mas você pode saber isto mais do que eles! É tão simples! A Fraternidade são pessoas que se reconhecem amigas e se reúnem periodicamente para chamar a atenção para a memória de Cristo, para chamar a atenção para o fato de que Cristo está presente, e para desenvolver uma consciência crítica disto – o porquê, o como, as razões, se é contra a razão, se a razão, pelo contrário, é edificada por isto, se a vida é distraída e traída ou se a vida é ajudada, se a vida é moral ou imoral –. E é um grupo, digo, de doze (Jesus havia reunido doze deles no princípio), de vinte, até de trinta pessoas; mais de trinta, não sei como vocês conseguem ficar em acordo de maneira tal a recordarem-se mutuamente de Cristo – porém, façam aquilo que quiserem, desde que O recordem. Pessoas que eram estranhas se tornam amigas, pessoas que têm filhos, pais, homem e mulher, íntimos entre eles, vêem tão escancarada diante de si uma profundidade de afeição que antes não conheciam, porque a afeição maior é a paixão pelo destino do outro, pela verdade do outro, pela beleza – que é a mesma coisa, porque "splendor veritatis", esplendor de verdade, beleza, é a bondade moral, diz o Papa na sua encíclica.
Ajudarmo-nos a recordar Cristo, portanto. E como faremos para recordá-Lo? Diremos uns aos outros: "Recordemo-nos de Jesus". E depois? Não existem outras fórmulas que devamos usar, que tenhamos de estudar até ter de cor, para reconhecê-Lo? É a Escola de Comunidade, eu disse antes e repito, que nos faz penetrar nas razões deste reconhecimento, para que "saibais – dizia São Pedro àqueles primeiros cristãos que eram ‘boiadeiros’, no sentido etimológico 4, para dizer de que parte vinham e que estudos não tinham feito – saibais dar razões daquilo em que credes". Minha mãe, que não fizera a Universidade, sabia dar-me razões de tantas coisas das quais depois no seminário ninguém me soube prestar contas (inclusive a teologia; imaginem hoje, quando se ouve dizer: "A ressurreição? Sim, porém...").
A Fraternidade é uma amizade que tem como tarefa recordar-se de Cristo, ou analisar, por exemplo, como se viveu, compartilhar como se viveu, a dificuldade em que a pessoa se encontra, e ouvir de outros, dos amigos, uma ajuda para imaginar como deve ser, como a memória de Cristo deve plasmar de maneira diferente a própria postura diante da vida em "cada momento" – porque a vida são as circunstâncias concretas, o resto não existe: o resto não existe mais (passado) ou não existe ainda (futuro). Vocês serão ajudados pela Escola de Comunidade, que, dando-lhes as razões, vai lhes dar também a imaginação, irá libertá-los: a sabedoria liberta. Não estou entrando em contradição. Digo que liberta aquela sabedoria, operada por uma amizade, a respeito do fundo da questão, daquilo que você é, daquilo de que se trata (e trata-se de tudo aquilo que dissemos).
Disto nasce o espetáculo de pedaços de um povo diferente dos outros; são pedaços de povo, pedaços de sociedade diferente do resto da sociedade, com um clima diferente, aos quais se aplica o conceito de conversão: há algo mudado, convertido. Como dizia padre Zverina, que citamos: uma metamorfose, uma mudança, acontece; uma mudança que, antes de mais nada, é um clima em que dá para meter dentro os dedos, isto é, é concreto, prático: é realmente diferente o que se vive.
Um clima. A propósito de clima, digo-lhes somente duas coisas, antes de terminar. É um clima em que São Paulo tem o “topete” de afirmar: "Estimais aos outros melhor do que a vós". Podemos até dizer isto sem pensar, mas não podemos dizê-lo pensando, porque é bastante julgador da maneira como vivemos. A Fraternidade dá um clima em que se torna possível uma estima mútua – "Estimais aos outros melhor do que a vós" –, com uma humildade que nasce disto, que é a característica fundamental (diferente de orgulho ou presunção!) de quem quer conhecer Cristo. "Queremos ver a Cristo", disseram os primeiros pagãos no capítulo doze de São João. "Queremos ver a Jesus", disseram a André, que os conduziu a Filipe porque este era de Betsaida e sabia grego. É um clima do qual nasce aquela humildade de que, desta forma, somente São Francisco de Assis podia falar. Leio a vocês a coisa mais estupenda de hoje, porque este é o critério com o qual o Movimento, o nosso carisma nos faz sentir a amizade entre nós, nos faz sentir o que é a Fraternidade e o que é a vida toda inteira vivida na consciência da Sua presença. Carta de São Francisco de Assis a um ministro (do culto): "Ama àqueles que agem contigo desta forma [obediente, respeitoso...]. Não exige deles outra coisa senão o que o Senhor der a ti". Como Ele dá a você aquilo que dá, e não pode pretender mais de você, da mesma forma não pretenda você mais dos outros, mais do que eles podem dar. E confirma isto depois: "Nisto tu os ama [naquilo que o Senhor dá a eles a capacidade de fazer, ame-os], não pretende que se tornem cristãos melhores [não pretenda que se tornem cristãos melhores, isto é, de acordo com a sua cabeça]". Mais do que isto, se morre... de humanidade.
Por isso, eis a nossa palavra de ordem: multiplicar as Fraternidades, simplificar o que é a Fraternidade, meditar a Escola de Comunidade e julgando, recordando a Sua presença, perdoarmo-nos tudo, continuamente: isto melhora tudo.



Notas:

[1] Na Europa, o mês de agosto, ponto forte do verão, é especialmente dedicado às férias, até mais do que acontece aqui nos meses de janeiro e fevereiro; nde.
[2] A coleção "Os livros do espírito cristão", dirigida por padre Luigi Giussani e publicada pela editora italiana Rizzoli; nde.
[3] Vaso em que se guardam as hóstias, nde.
[4] Em italiano, a palavra (“bifolco”) designa também popularmente as pessoas rudes, sem modos, sem instrução; por isso a chamada de atenção para o sentido etimológico do termo, que vem do latim vulgar bufulcu(m), de bos bovis, “boi”; ndt.