Quem é Nossa Senhora?

Página Um
Luigi Giussani

Notas de um discurso no Santuário da Bem-aventurada Virgem de Caravaggio, a 3 de junho de 1982

Todas as vezes que nos encontramos para rezar a Nossa Senhora, sinto um estremecimento de emoção. Diz o anjo, ao se apresentar a Maria: “Eu te saúdo, cheia de graça” (Lc 1,28). E Maria, quando visita Isabel: “...todas as gerações me chamarão bem-aventurada...” (Lc 1,48) É uma emoção, pois, ao virmos até aqui, estamos realizando hoje a sua profecia. Esta noite, oferecemos nossa contribuição testemunhando que a profecia se realiza: te chamarão bem-aventurada.
O chamado de atenção que a jovem israelita Maria quer-nos fazer hoje é o da maturidade da fé.
Com ela, tão jovem (tinha então em torno de quinze anos), temos de aprender a maturidade da fé. Se uma fé não se torna madura, é vazia, esvaziada pelo clima anticristão de nossos dias.
Olhando para Maria, queremos ver hoje quais são os fatores da maturidade da fé, ou seja, quando é que a fé é madura. Não pretendo, com isso, me referir ao efeito da fé madura (ou seja, que uma fé madura é sólida, não se deixa abalar pelo ambiente), mas o que me interessa é falar dos fatores que constituem a fé.
Examinemos a passagem da Anunciação (Lc 1,26-38): já desde aquele momento essa jovem demonstrava estar repleta da consciência de que sua vida pertencia a um Outro.

1. Este, realmente, é o primeiro fator da vocação; a vida, do ponto de vista cristão, é uma vocação.
Para que a vida seja sentida como vocação, é preciso isto: que eu tenha a consciência de que a minha vida é de um Outro. Essa consciência, em Maria, não é abstrata; duas coisas definem o fato de Nossa Senhora pertencer a Deus, em sua vida concreta:
a) para Maria, o que estava em jogo era decidir sobre seu futuro, sobre sua vida concreta, sobre o que lhe caberia fazer e sobre como viria a se tornar mãe. Nossa Senhora pertencia a Deus no caráter concreto e determinante daquilo que teria de fazer: pensem em quanto ela sofreu, mesmo no início, quando era a única que sabia o que estava para acontecer. O Senhor lhe pedia seu tempo, seus dias: ela pertencia a Deus na forma física de seu tempo.
b) Nossa Senhora tinha muito claro, portanto, que sua vida pertencia a um Outro, no enfrentamento concreto do cotidiano: tudo nela pertencia ao Senhor, mediante uma conexão precisa, a conexão com seu povo.
Sua vida estava dentro, mergulhada na vida de seu povo. O que o anjo lhe comunicava estava dentro da história de seu povo. De fato, Deus desenvolve seu desígnio no mundo por meio de uma solidariedade, de uma fraternidade, da conexão entre um povo. É a tradução concreta do que o papa Paulo VI dizia num de seus discursos: os cristãos constituem no mundo uma espécie de raça sui generis.
Ora, se aplicarmos essa observação a nós mesmos, notaremos que o fato de a vida de cada um de vocês pertencer a um outro é evidente (eu não me fiz por mim mesmo); mas é dentro das determinações de todos os dias (no trabalho, em tudo o que você faz, seja por vontade própria, seja por obrigação, com sofrimento, com alegria, etc.) que você pertence a um Outro, a cada instante.
Se tivéssemos essa consciência (a quem pertenço) quando formamos uma família, quando saímos para trabalhar, quando enfrentamos qualquer coisa no nosso dia, se pensássemos que ali estamos construindo o povo d’Ele, que ali pertencemos ao povo d’Ele, que nobreza sentiríamos em nossa existência!
Concluindo, o primeiro fator, portanto, para uma fé madura, é reconhecer uma presença que me possui em tudo. Uma presença que me possui para realizar um desígnio que se chama “povo de Deus”, pois nada do que eu vivo é inútil, nem um instante sequer é vão: deveríamos prestar contas de tudo o que vivemos, pois tudo é para o desígnio d’Ele.

2. Continuando a seguir a passagem da Anunciação, vejamos agora o segundo fator de uma fé madura.
Disse o anjo: “...não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. [...] O Senhor Deus dará a teu filho o trono de Davi [vemos aqui a conexão com o povo]. [...] Maria, então, disse: ‘[...] Faça-se em mim segundo a tua palavra”; faça-se, fiat (cf. Lc 1,30-38). Esse fiat, a energia desse sim, é o segundo elemento de uma fé madura. É dessa maneira que São Paulo se referirá a Jesus: o “Amém”, o “sim” de Deus (cf. 2Cor 1,18-20).
Essa energia é a força da vontade, ou melhor, da liberdade.
A liberdade que adere diz: “Sim, reconheço”. No entanto, pode haver um reconhecimento que não aceita, que não se envolve. Quando é assim, a minha fé se torna fraca, vazia, sem sentido. Devemos sublinhar a razoabilidade desse “sim”: por que foi que ela disse sim?
No mistério daquele momento, Nossa Senhora intuiu que ali se dava realmente um anúncio de Deus, de Deus verdadeiro. Conosco aconteceu a mesma coisa. De fato, cada um de nós só é cristão porque, de alguma forma, foi tomado, ainda que apenas por um instante, pela intuição, pelo entendimento de que Cristo é verdadeiro, de que a Igreja é verdadeira, de que o mistério cristão é verdadeiro. Todos tivemos essa intuição.
A grandeza de Nossa Senhora é a sua simplicidade: ela disse “sim” e ponto final, não pedia mais nada. Já nós precisamos sempre de mais alguma coisa, de alguma prova a mais para podermo-nos decidir.
Cristo definiu a maturidade da fé comparando-a à criança. A criança sente instintivamente que pertence a seus pais e, diante das coisas, diz “sim”, arregala os olhos: não pede outras confirmações daquilo que vê. O que a criança faz por instinto da natureza, o homem que possui uma fé madura faz conscientemente. Portanto, a maturidade da fé é a criança, que, de instinto, passa a ser consciência, com a mesma simplicidade.

3. “Maria, então, disse: ‘Eis a serva do Senhor’. [...] E o anjo retirou-se” (cf. Lc 1,38). Pensemos agora no momento em que Maria fica sozinha em casa: sozinha diante daquela coisa enorme que lhe havia sido proposta, que lhe havia sido dita.
Nada a impediria de dizer: “Não escutei nada, foi uma ilusão!” Mas não é isso que acontece. Daqui nasce o terceiro fator da maturidade da fé: a energia, a força para permanecer no Senhor, para permanecer naquilo que vimos.
Nós, ao contrário, diante da primeira dificuldade, criamos uma objeção, dizemos: “Não é verdade”. Maria fica sozinha, passa por todas as dificuldades, mas mantém-se “firme”. Sua simplicidade está unida a uma força grandiosa e simples.
O próprio Abraão tinha-se lamentado; Moisés também tinha tremido: Maria, em sua solidão, está plenamente segura. Maria é uma fortaleza, grande e simples. A própria Giannetta, aqui em Caravaggio, e Lúcia, em Fátima, experimentaram a mesma solidão, mas foram também sustentadas pela mesma certeza, ficaram firmes. Uma simplicidade impávida (ou seja, repleta de emoção), que desafiou a vida inteira, sozinha com “aquela coisa” que lhe havia sido dita. Sozinha diante das pessoas que não creem, diante do trabalho que tem a fazer: a solidão existe, mas existe também a sua adesão ao Senhor.
O que nunca deve diminuir em nós é a adesão da nossa fé: quando já não existem as emoções, quando você já não tem o vigor do início, quando não estão ali os amigos, o que deve continuar a existir é a nossa fidelidade à adesão que demos a Cristo.

Portanto, os três elementos que distinguem a maturidade da fé são:
1. A consciência de pertencer a um Outro (pertencer, com todo o peso que carregamos, com todos os nossos pecados, ao Corpo visível de Cristo, a Sua Igreja).
2. A energia do “sim”: a simplicidade da liberdade. Nada se transforma em objeção. Uma simplicidade que nos permite viver como homens conscientes. (Você precisa dizer “sim”, pois, com os “mas” e “porém”, jamais chegará à convicção.)
3. A fidelidade: a energia para permanecer no Senhor, em sua Igreja.
Leio agora o trecho que para mim é o símbolo da nossa pobre vida pessoal e coletiva, diferente da de Maria: “...‘Por que nós não conseguimos expulsar o demônio?’ [...] ‘Porque a vossa fé é demasiado pequena [respondeu Jesus]. [...] Mas nada vos será impossível...” (Mt 17,19-20).
Do ponto de vista cristão, nós, no mundo de hoje, somos como epiléticos: uma hora cheios de emoção, outra hora frios, sem esperança e energia. Somos frágeis e volúveis: essa fragilidade e essa volubilidade demolem a fé. A fé, assim, vai perdendo seu fascínio, sua força: “...quem me segue terá o cêntuplo nesta vida...” (cf. Mt 19,29; Mc 10,29-30; Lc 18,29-30) Nós não somos como alguém que perdeu a fé: somos, sim, frágeis e volúveis. De que forma podemos expulsar esse “demônio”? O próprio Jesus nos diz: pela oração e pela penitência, pelo jejum.
A oração é o reconhecimento de algo maior entre nós: Cristo entre nós. Com a oração, Cristo se torna familiar para nós. Ter consciência dessa presença (e isso é exaltante, é uma profundidade nova, pois é a consciência de que Deus governa o nosso corpo) significa expropriar-se, perder-se, não possuir mais nada: temos tudo, mas fomos arrebatados de tudo. Isto é o jejum: é a coragem gostosa do sacrifício. Esse desapego de tudo faz nascer mais a paixão por Cristo: sob a cruz, Maria é mais uma vez expropriada do que lhe havia sido dado. Jesus, voltando-se para ela, da cruz, e apontando João, diz: “Mulher, este é o teu filho!” (Jo 19,26); mais expropriada que isso! No entanto, ali ela possuía ainda mais a consciência de pertencer.
Mas o que é, do ponto de vista cristão, o desapego na maneira de ter as coisas? É a virgindade: esse é o ideal da vida cristã, a posse verdadeira das coisas. É um valor que deve ser vivido em todas as vocações. Essa coragem do sacrifício faz possuir mais a tudo, pois tudo pertence a Cristo, tal como eu pertenço a Ele.
O sintoma da maturidade da fé é a memória, mediante a qual Cristo, que se tornou presente entre nós, passa a nos ser familiar em qualquer lugar (não apenas quando estamos na igreja), e disso nasce a coragem de possuir as coisas na virgindade, como a Virgem Maria nos ensinou.

(traduzido por Durval Cordas)