Amedeo Capetti

Carta enviada da trincheira

Numa carta enviada ao jornal Il Foglio em 18 de março, a experiência de um médico no meio dos doentes do hospital “Sacco” de Milão, onde desapareceu até o lamento.

Sou um médico da primeira divisão de Doenças Infecciosas do Hospital Luigi Sacco de Milão, até ontem perito de terapia antirretroviral com 650 pacientes soropositivos para o HIV, depois catapultado como todos ao setor Covid. Hoje tenho um momento de pausa e lhe escrevo para compartilhar os pensamentos que ocupavam minha cabeça na manhã de hoje enquanto dirigia o carro para vir ao hospital.

O primeiro pensamento não se ajustava ao otimismo forçado que vejo por aí nestes dias, aos aplausos, à nova idolatria da classe médica e da enfermagem. A meu ver, são todas tentativas compreensíveis de exorcizar um medo humaníssimo, mas fracas de conteúdo. «Vai dar certo!», com efeito, que significa? Que devemos olhar só para o fim da epidemia pulando a dramaticidade do presente? E ainda: vai dar certo para quem? Para mim e o senhor que trocamos correspondência? Para o povo italiano entendido abstratamente? Tudo isto me convence pouco e, francamente, me deixa perplexo.
Segundo pensamento. Noto, e acho que seja um sintoma muito importante, o desaparecimento quase total do lamento. Os meus pacientes, em vez de reclamarem, me mandam toda dia mensagens para perguntar como estou e também para participar da experiência incrível e excepcional que estou vivendo. E esta é a verdadeira razão pela qual decidi escrever-lhe.

Com efeito, o que eu estou vivendo, mas acredito ser experiência também de muitos outros, é a concretização de um fenômeno que não raro nós médicos vemos em quem escapou de um perigo potencialmente mortal: a experiência de abrir os olhos e perceber que nada mais é óbvio. Ou seja, que tudo é dom, desde o despertar de manhã, desde o cumprimento aos familiares até cada pequeno detalhe de um cotidiano que, para alguns, é um vazio a ser preenchido e, para outros, como eu, tornou-se, se for imaginável, mais rodopiante do que era antes.

A graça desta nova consciência de si transforma radicalmente o que fazemos, gera maravilhamento, amizade, olhamo-nos uns aos outros e dizemos: hoje não podemos abraçar, mas um sorriso nos diz ainda mais de quanto poderia dizer um abraço. Esta consciência nos torna participantes do drama dos nossos pacientes e não é absolutamente um acaso se os meus colegas me pedem para rezar não só pelos seus familiares, mas também pelos seus pacientes, como nunca tinha ocorrido antes. Isso também é contagioso. Ontem me ligou uma senhora de Crema para ouvir notícias da avó, internada no Sacco, em estado muito grave. Relatou-me acerca da outra avó, morta de Covid, e da mãe, que está na UTI de Crema, depois me disse: «Sabe, doutor, no início eu rezava, agora não rezo mais». Eu lhe respondi: «Compreendo, senhora, não se preocupe, eu rezarei no seu lugar». Ao ouvir isso, teve um sobressalto e respondeu: «Não, doutor, se o senhor o faz, eu também o farei. Inclusive pela minha mãe, rezemos juntos».

Tudo isto é riqueza e graça, que, se um maior número de pessoas tomasse consciência, poderia a meu ver ter até um grande valor civil: reconhecer que somos frágeis e que tudo nos é doado, começando pela respiração, o que hoje é tão pouco óbvio, iria atenuar tantas divergências e discussões inúteis.

O último pensamento foi sobre o depois: experiência comum é que, após um período de grande entusiasmo, com o tempo tudo se apaga e os antigos vícios voltam à tona, como já lamentava Dante Alighieri a respeito do século que o precedera. O que pode nos salvar desta previsível desgraça? Pelo que eu entendo, é necessário que esta gratidão se torne um juízo refletido sobre o que está acontecendo, que é bem expresso pela pergunta e pela curiosidade que todos temos nestes dias e que nos une: qual é, no fundo, a origem de tudo isso? Por que de repente os nossos olhos se abriram e começamos a enxergar o fundo real das coisas? Para onde nos pode levar esta experiência? Onde reencontrar esse olhar tão humano de uns para os outros que nestes dias vemos em tantas situações? Quem nos pode ajudar?

Para mim, a experiência de irromper na vida aquele maravilhamento, pelo qual nada mais é óbvio e tudo é doado, iniciou faz muitos anos e, quando reacontecer, é como partir de novo renovando-se em mim a certeza da origem. Para outros há de ser um caminho novo. Eu não posso e não quero dar respostas pré-estabelecidas porque cada um só poderá entender, tal como eu, fazendo a experiência. Mas posso sugerir a pergunta, para que nada caia na obviedade e na redução, estética ou maluca. Enfim, cheguei ao hospital.

Amedeo Capetti
infectologista e consultor da OMS