A caritativa na Casa Amarela de Kayrós, às portas de Milão (Foto: Giovanni Dinatolo)

Kayrós. «Um fazer pelos outros, puro e árduo»

A experiência daqueles que preparam o jantar para alguns jovens acolhidos em uma casa de reinserção juvenil na Itália. «Não somos nós que os fazemos felizes. A única atitude “concreta” é a atenção à pessoa» (da Tracce abril/23)
Paola Ronconi

Há um traço comum nas casas da Associação Kayrós: não há facas. Assim, se você decidir fazer risoto com abóbora para os dez habitantes da Casa Amarela, terá que descascá-la e cortá-la com uma faca emprestada pela casa ao lado, onde há facas de lâmina arredondada. Portanto, a empreitada é dura, mas a segurança destes garotos e daqueles que vêm cozinhar é prioritária. Estamos na periferia de Milão. Aqui nasceu a Kayros com Claudio Burgio. É uma residência para menores com dificuldades regulamentada pelo Juizado de Menores, pelo Serviço Social e pela polícia. Acolhe jovens com processos penais em curso, em colaboração com o Centro de Justiça Juvenil de Menores. A Casa Amarela é a que acolhe os recém-chegados, os mais jovens, mas às vezes também os mais rebeldes. Os espaços internos trazem as marcas do estado de espírito de seus habitantes: nas portas e janelas é possível ver os vestígios deixados por sua raiva. Na cozinha faltam algumas portas, um educador passa com uma tampa nova para o vaso sanitário…

Stefano e Agnese são de casa. Ele doutorando em física, ela professora de matemática. A cada duas semanas vêm preparar o jantar para estes jovens. Há alguns anos, vários grupos se alternam na Kayrós para cozinhar, como caritativa. São sete da noite. Antes de acender o fogão, leem O sentido da caritativa. De pé, encostados na bancada da cozinha. «A caridade é a lei do ser e vem antes de qualquer simpatia e de qualquer comoção…».
Alguns garotos aparecem. Um aceno rápido, um aperto de mão e depois desaparecem. «O fato de fazer algo pelos outros é despojado de tudo e pode ser feito também sem entusiasmo. Poderia muito bem não ter nenhum assim chamado resultado “concreto”; de fato, para nós, a única atitude “concreta” é a atenção à pessoa».



«Caridade, atenção à pessoa», repete Stefano, e comenta: «Mas de verdade só basta isso? Segundo os meus parâmetros não, o amor precisa de um reconhecimento, que o outro o perceba de algum modo, e que seja correspondido. Se eu presto atenção em você e você nem percebe, me pergunto se não estaria errando em alguma coisa. Mas aqui nos deparamos constantemente com o fato de sermos invisíveis, é raro que eles entrem em contato com você». Uma boa provocação a ser enfrentada. «Eu me pergunto o que as noites que passo aqui têm a ver com a minha vida, com a minha namorada…». Trata-se de aprender outra forma de amar: gratuitamente. Uma vez Burgio disse a alguns, que iam fazer caritativa ali, que estes jovens precisam de “normalidade”, pessoas que os trate de maneira “normal”. Porque eles sempre viveram em contextos violentos e situações dramáticas. Mas não se pode dar por óbvio o que significa “normal”.

«Eles raramente nos dizem “obrigado”» e Agnese afirma que isso acontece quando eles comem particularmente bem… Uma vez Myrko (nome fictício), um garoto cigano, aceitou cozinhar com Stefano. Iam fazer batatas fritas, mas ele jogou todas as que tinha cortado de uma vez e o óleo esfriou. O resultado foi uma papa amarela. Depois de jantar, Stefano lhe disse: «Não é que tenha ficado muito saboroso, mas você gostou de cozinharmos juntos?». «Não, me deu nojo». No entanto, esta resposta não o feriu. Talvez porque esteja aprendendo que «não é a nossa ação que os torna felizes», como diz o livreto. É um fazer para outros, puro e árduo.

Desde setembro, Agnese leciona em uma escola conhecido por ser de elite em Milão, com gente muito rica. «Meus alunos têm problemas aparentemente diferentes daqueles que vivem aqui, mas no fundo eles também estão sozinhos. Têm muito dinheiro e roupa de marca que os da Kayrós adorariam ter, mas também estão cansados de viver». A distância entre sua turma e esta cozinha, entre garotos que têm tudo e estes que provavelmente não têm ninguém fora daqui, é um desafio para ela. «Quando venho à caritativa, no dia seguinte me pergunto: o que é que eu vi? Às vezes só raiva. Então me coloco diante dos meus alunos com só um desejo: quero que esta manhã vocês se encontrem com alguém que os queira bem. Por isso preparo o jantar na Kayrós. Para aprender isto.

Alex entra na cozinha, com uma tatuagem em cada dedo de suas mãos e uma cruz tatuada ao lado do olho. Ele está com o capuz levantado, mais taciturno do que de costume. Ele não está muito em forma, não joga futebol com os outros, mas aquele olhar… Seus olhos não contam o que viu em sua jovem vida, mas mostram um abismo cheio até a borda com coisas erradas, com uma necessidade de redenção. Somente um bem exageradamente grande poderá pacificá-lo. Ele é um pouco como a samaritana, que já havia enchido seu cântaro com cinco maridos e agora experimentava com um pouco de água. Até que Ele chegou.

Contam que uma noite «um educador nos disse: “Para ele não é uma boa noite, deixem-no sozinho”, apontando para Samir, que estava sentado em um canto». Naquele dia, um amigo dele havia morrido atropelado por um trem. Stefano lhe perguntou de todos os modos se ele queria conversar: «Você realmente se importa?», o garoto perguntou. Quando ouviu «sim», tirou uma foto do bolso da calça jeans. Era seu amigo. «Nem mesmo uma garota bonita levantaria o meu astral». Naquela noite, Agnese compreendeu as palavras do livreto: «Pode ser que o que eu levo não seja verdadeiramente aquilo de que o outro necessita. Eu não sei do que o outro verdadeiramente necessita, eu não posso “medi-lo”, não é uma coisa minha. É uma medida que eu não possuo: é uma medida que está em Deus».

Enquanto isso, o risoto começa a ferver. Ao lado, em outra panela, as linguiças são fritas para os que não são mulçumanos. Stefano e Agnese também se encarregam de preparar a mesa. Não há pratos iguais, não devem ter acabado muito bem. Uma vez sentados, o risoto é muito bem recebido, enquanto as conversas são as mais variadas. «Tenho que dizer a vocês uma coisa», Stefano interrompe colocando-se de pé para anunciar algo: «Dei um anel de noivado para a minha namorada, vou me casar!» Ele recebe os parabéns e alguns aplausos pouco convencidos. Pelos comentários daqueles que estão ao lado se percebe que casar soa muito longe, não só pelo fato de serem jovens, mas porque é algo tão “normal” que parece impossível para eles.

É hora de ir embora. Eles entram no carro para voltar para casa. Os rostos e os olhos daqueles garotos permanecem em sua mente. Eles se surpreendem pensando em cada um deles e assim ressoam em sua cabeça as palavras de um amigo: «Que alguém se apaixone pelo que nós nos apaixonamos! Mas para que isso aconteça devemos arder de paixão pelo homem, para que Cristo os alcance».