Sem máscaras

Uma coleção de relatos que contam um pouco do que aconteceu nas férias nacionais dos Colegiais, realizada em julho, em Brasília, a partir da provocação: «Quem és Tu que preenches o meu coração com tua ausência?»
Rita Rocha

De 19 a 22 de julho, um grupo de estudantes, entre 14 e 17 anos, junto com alguns educadores, se reuniu em Brasília, chegando de diversas cidades do país, para um momento de férias. Foram quatro dias belíssimos, de encontros, testemunhos, brincadeiras, música e a beleza de uma amizade que gritava a Presença de algo muito maior.

Chegando à cidade, fomos recebidos pelos amigos de Brasília com um almoço. Era bonito ver a alegria e a gratidão desses amigos ao nos receber e preparar um delicioso macarrão. Nesse encontro vimos amigos de 20 anos atrás, que agora experimentam a alegria de ver os seus filhos também abraçados pelo mesmo olhar. Esse fato nos encheu de gratidão e de certeza ao ver como o Senhor cumpre a nossa vida e que encontramos um Amigo que é para sempre.

Foi nas férias de 2017, em Campos do Jordão, que decidimos que no ano seguinte o local, pela primeira vez, seria Brasília. A partir desse momento começaram os preparativos para esta nova aventura. Ficamos hospedados em um hotel fazenda e a experiência das férias foi um acontecimento para os meninos e para nós, educadores. O risco de pensarmos estar acompanhando os colegiais é muito grande, mas o nosso amigo, o coração, logo nos dá pistas de que o gesto é para cada um de nós, é em primeiro lugar um sim pessoal, uma gratidão por ter sido preferido; uma gratidão infinita que nos move a encontrar a todos.

O grupo dos professores que acompanharam os colegiais nas férias

Na quinta-feira à noite, a Sêmea, educadora responsável pelos Colegiais no Brasil, iniciou o gesto das férias com a frase de Par Lagerkvist e um trechos do Tríduo dos Colegiais realizado na Itália: «É meu amigo um desconhecido, alguém que não conheço. Um desconhecido distante, distante. Por ele meu coração está cheio de saudades. Porque ele não está junto a mim. Talvez porque não exista de verdade? Quem és Tu que preenches o meu coração com a tua ausência? Que preenches toda a terra com a Tua ausência? ».

A cada manhã, uma breve leitura de um trecho do Tríduo ditava o tom do dia. E nos ajudava a estar atentos a tudo. O desejo de encontrar um amigo e de viver sem máscaras e de ser amado assim como se é, era o grito que cada menino carregava no coração ao ir para as férias. «Citaram algo nas férias sobre não usar máscaras para esconder quem você é, e isso me deixou feliz porque eu percebi que aos poucos eu estou deixando de usar máscaras e começando a agir como eu mesma, e, lendo o poema, eu percebi que as pessoas viram o que eu sempre quis que vissem, o verdadeiro eu. Ainda existiram algumas questões dentro de mim, como o fato de que às vezes algumas máscaras que você pensa que usa na verdade refletem o que você verdadeiramente é. E, por fim, (...) quando citei o fato de que eu estava tirando as pedras dos caminhos das pessoas na trilha, para ajudá-las a não tropeçar, como aconteceu tanto comigo. E é isso que eu sempre desejo fazer e me senti feliz fazendo: ajudar as pessoas», diz Elisa, de São Paulo.

Nós educadores nos sentimos muito próximos e amigos dos meninos, pois temos o mesmo coração. O medo inicial foi substituído por uma certeza de não estar mais sozinho. Rafael Costa, de Manaus, contou: «Eu estava com medo de ir para as férias, mas fui e gostei muito. Eu me lancei nas atividades que eram oferecidas, me coloquei à disposição e eu me senti acolhido também. E desejo voltar no próximo ano». Jakson Lázaro, de São Paulo, também contou sua experiência: «Essas férias dos Colegiais foram uma das melhores viagens que eu já fiz. Aproveitei muito lá, fiquei um pouco inseguro por conta de ir a um lugar que eu não conhecia, mas ao mesmo tempo fiquei alegre, querendo conhecer e aproveitar os dias. A frase “Quem és tu que preenches meu coração com tua ausência?” me chamou bastante a atenção, e aquilo ficou martelando na minha cabeça por bastante tempo, me fazendo imaginar um monte de coisas sobre a frase. Um momento marcante foi o da união na gincana, e outro momento que ficou na minha cabeça foi sobre usar a tal “máscara”, meio que escondendo quem você realmente é. Fiz muitos amigos lá e até fiquei triste quando fui embora, mas já estou ansioso para as próximas férias».



Naqueles dias, fizemos de novo a experiência de sermos preferidos, únicos aos olhos de alguém! Esse grito infinito, o desejo de alguém que venha, preencha o nosso coração e nos acompanhe e encha de sentido o nosso caminho, nos faz amigos de todos, de colegiais e de educadores, de quem vive perto ou longe da gente. A Maria Teresa, de Londrina, está se formando no ensino médio e nos conta: «Preencher com ausência! Foi com esta provocação que minhas últimas férias dos Colegiais se iniciou. Depois dela vieram outros paradoxos como “amigo desconhecido”, “silêncio que fala” e “caminhada sem destino”, que inquietaram o meu coração ao longo desses três dias. Ter o coração inquieto não é fácil, a música “Be still, my heart” [da americana Jacqui Treco], que cantamos lá, define muito bem a sensação como “um vulcão prestes a entrar em erupção”, mostra ainda como seria muito mais fácil deixarmos as coisas do jeito que são e não nós questionarmos o porquê das coisas ou não levarmos a sério nossos desejos e tudo o que acontece à nossa volta. Mas, como a própria música diz e como muito conversamos em Brasília, não há como negar o desejo de infinito do nosso coração e não há como ser verdadeiramente feliz sem irmos ao fundo dessa inquietação. E ter tido a oportunidade de me encontrar com tantas pessoas buscando essa grande ausência que preenche valeu todas as horas de viagem e muito mais!».

Nas férias me marcou de forma particular a amizade entre a professora Ana Maria e o Carlos, colegial de Brasília. A Ana começou a se encontrar com esse grupinho de meninos no seu último ano da escola, pois se aposentou ao final de 2017. Essa foi uma atenção do Senhor com estes meninos e também com a Ana, como ela nos disse. De que é feito este nosso coração, que quando encontra algo verdadeiro e belo deseja ficar junto, ir atrás, independentemente de como tenhamos vivido tudo até um minuto atrás? Ao sair da escola a Ana Maria propôs aos meninos continuarem esta amizade. Nessa história de preferência, o Carlos começou a pintar e a pedido da Ana Maria, que também é pintora, fez uma releitura da obra Caminhante sobre o mar de névoa, de Caspar Friedrich. O Carlos nos contou a sua experiência ao pintar o quadro e o grito que carrega em seu coração.

Quando somos olhados e amados assim, encontramos um tesouro. É a experiência do Jean, de Belo Horizonte: «Participar destas férias foi uma das coisas mais bonitas que me aconteceram até agora, parece que encontrei um tesouro. Um exemplo disso foi sábado à noite, quando Sêmea pediu que oito pessoas lavassem as louças depois do jantar. Eram muitas pessoas para um lugar apertado, então era inevitável que alguns voluntários ficassem sem serviço. Foi aí que me pediram que eu desse um “apoio moral” cantando. Comecei a cantar e todos começaram também. Aquilo foi tão legal que quando vimos estávamos todos cantando e dançando pelo refeitório. Essa alegria até para lavar a louça tem só uma explicação: Cristo. Tudo o que vivi naqueles dias foi verdadeiramente bonito e valioso para minha vida. Era notável a presença de Cristo naquele lugar e naquelas pessoas. No domingo, voltando para casa, não consegui conter o choro, mas não era tristeza, era um choro de muita gratidão, de Beleza, por tudo o que vivi. Quando releio sobre o que vivi ali parece que tomo mais consciência do que aconteceu. Como se a saudade ajudasse a aprofundar o sentido das palavras».

Tudo na vida entra dentro dessa amizade, desse abraço misericordioso do Pai que nos alcançou e nos alcança agora por meio daquilo que vemos acontecer em nós e nos nossos amigos. Dani, de São Paulo, diz: «Gostei de fazer novos amigos, de dançar em volta da fogueira, de cantar e de ver muitos lugares bonitos. A caminhada foi difícil para mim, mas ter visto a piscina natural e tê-la feito junto com meus amigos a fez ser muito linda». De Manaus, Ana Lídia conta: «Nunca pensei que, numa viagem onde passamos quatro dias convivendo com pessoas inicialmente estranhas, pudéssemos aprender a encontrar uma pequena coisa que todos os dias nos faz perguntar: “Onde está Cristo? Será que Ele está com a gente nos momentos bons e ruins?”. Eu posso responder a mim mesma que Cristo nunca me abandonou, nos momentos difíceis foi quando Ele segurou minha mão como segura um navio com uma âncora prestes a ir para um buraco negro. Eu finalmente encontrei pessoas que pensam como eu, e numa simples fila fiz amizade com pessoas maravilhosas».

Quem é seu amigo? Outro trecho do Tríduo tinha essa provocação: «Graças à ferida que está em você, você procura um amigo que possa estar à altura do que você sente como mais problemático, mais incompreensível, mais misterioso, mas irresolvido na sua vida, porque o amigo não é alguém com quem você faz um contrato sobre as emoções, mas quem te conhece melhor do que você mesmo. É verdade, não remove a sua ferida, não faz uma “lavagem gástrica” dos seus maus humores, como às vezes achamos que também a religião tenha de ser. “Estou mal, e aqui encontro um consolo”. A amizade verdadeira é a que te permite finalmente olhar com simpatia para a sua ferida. Você entende que alguém é um verdadeiro amigo se te faz sentir livre, você mesmo, levado plenamente em consideração, mesmo se acabou de te conhecer. Com ele você se sente em casa».

Gabrielle Kim, de São Paulo, resume o que viveu: «Existem algumas coisas na vida que são inexplicáveis por meio de palavras, só estando lá para sentir... É naquele lugar, que não tem um lugar específico, com aquelas pessoas, mesmo tendo acabado de conhecê-las, é lá que tem um sentimento, uma sensação, que não pode ser explicada por meio de palavras. Foi naquele pôr do sol, na volta de ônibus para São Paulo, que me dei conta de que aquela beleza toda foi dada a mim, o melhor presente que eu poderia receber, nesse momento me senti amada, a ponto de querer apenas assistir à paisagem mudar enquanto o sol se punha durante três horas, querer abraçar o mundo, meu coração estava preenchido por uma ausência tão presente que não existe palavra que seja mais cheia e completa que essa ausência».

Ao conhecer a história da amizade entre os colegiais e os educadores, ouvir os testemunhos da assembleia e viver tudo que vivemos nos dias de férias aumentou em nós a certeza que nenhuma ideologia é capaz de abafar o grito do coração quando este coração encontra uma Presença tão potente que o desperta, o abraça e o ama como ele é, sem máscaras, como anunciava a frase, tema das férias: «Quem és tu que preenches o meu coração com tua ausência?».