Padre Pigi Bernareggi (fotos de Kika Antunes)

Pigi Bernareggi. No instante está contido tudo

A fé, o tempo que passa, a grande novidade... Um diálogo entre padre Pigi Bernareggi, missionário em Belo Horizonte, e alguns amigos que, na festa pelos seus 80 anos, lhe perguntaram o que resiste ao impacto da passagem do tempo (da Passos de agosto)

Este diálogo ocorreu no dia 23 de junho de 2019 com alguns amigos, entre os quais Rosetta Brambilla (ela também missionária na capital de Minas Gerais) e Marco Montrasi (Bracco, responsável de CL no Brasil).

Pigi: Obrigado porque se eu lesse a mensagem de Carrón, ia chorar. Não ia conseguir. Um dia, Carrón bateu na minha porta. Eu não sabia quem ele era: “Posso conversar com o senhor um pouquinho?”. Ele me fez mil perguntas e eu respondi a todas. Pensei: “Deus me mandou essa pessoa...”. Nunca ninguém me tinha feito tantas perguntas. Depois ele me abraçou e foi embora. Não sei quanto tempo depois eu descobri que era o Carrón. E falei “Nossa Senhora!”. Como pode alguém ter tanta capacidade de amar os outros sem nunca ter visto? Eu nunca tinha visto ele, nem ele a mim. Imaginem agora com isso aqui [a mensagem] eu vou chorar mais de um ano.

Rosetta: É por um amor à história, né, Pigi?

Pigi: Eu sei que não sei nada. Tudo acontece e eu nunca esperei. Eu nunca esperei que acontecesse esse “trem” todo, não! Tem muita gente que faz 80 anos neste ano. Eugenia Scabini, Peppino Zola, Dino Quartana, Maria Rita... [entre os primeiros participantes de Gioventù Studentesca, GS, primeiro núcleo de Comunhão e Libertação].

Bracco: Sabe Pigi, me marcou que Carrón continua a falar esta palavra ultimamente: superabundância. Nestes dias fizemos um encontro com um grupo de educadores, e em certo ponto eu pensei em qual é a primeira força de um educador, como para cada um de nós. É se aconteceu alguma coisa pela qual ele vibra, uma superabundância. E pensei que essa consciência, esse se dar conta do que lhe aconteceu é como uma bomba atômica porque acontece no lugar mais íntimo de mim sem que ninguém veja. Posso estar longe, afastado de tudo (nós falávamos do medo de deixar os meninos livres), mas paradoxalmente o momento em que aconteceu uma bomba atômica para cada um de nós não foi quando estávamos no meio do maior e mais bonito acontecimento do mundo; talvez tenha acontecido depois, quando estávamos sozinhos ou quase longe, indo embora: aconteceu essa bomba atômica em mim quando me dei conta de alguma coisa. Então eu estava pensando que graça que temos em ter um caminho, de ter alguém que nos ajuda a cuidar desse momento, que é o momento da minha liberdade deixada totalmente livre para se dar conta. Como isso que Carrón fala pra você nesta mensagem: é a sua superabundância. Porque aquilo que me fascinou em você, sempre, vindo te encontrar, nos momentos mais tranquilos – não eram grandes encontros –, é que havia sempre uma superabundância de Cristo: uma paz que Cristo gera, uma liberdade que Cristo gera, que tornou você um pai pra mim, logo!



Pigi: E vice-versa.

Rosetta: Essa bomba, que você diz que explode, é a consciência daquilo que a gente encontrou, não é?

Pigi: Com 80 anos é a consciência também daquilo que nos espera. Igual ao rio quando chega perto da cachoeira e aumenta a velocidade. Quanto mais a gente fica velho, mais o tempo passa rápido. Você não percebe que passa tão rápido assim porque já está na hora de dar o pulo na cachoeira.

Bracco: Como você responderia a essa pergunta que nós trabalhamos nos nossos Exercícios: “O que resiste ao impacto da passagem do tempo?”.

Pigi: O instante. É o instante que passa. O tempo passa. No passar do tempo, no instante que passa está contido tudo. Então, a bomba atômica é uma espécie de acontecimento que ocorre no instante que passa. Não são coisas passadas ou coisas futuras, mas coisas que estão acontecendo neste momento, que graças a Deus tudo existe e tudo é. Já pensou se neste instante Deus não quisesse fazer mais nada? Não ia existir mais nada, não! A gente sabe que tudo existe porque neste instante que está passando e já passou, eu percebi que existe. Portanto, quando você pergunta sobre a permanência da consciência do fato da grande novidade que é Cristo, a permanência de Cristo não é um contínuo resgate do passado, é uma constante presença no presente que se estende ao passado e abrange o futuro. Por isso, quando nos tornamos mais idosos o tempo passa mais rápido porque é próprio do tempo passar para ser substituído pela eternidade. Mas quanto mais próximos da eternidade, mais o tempo passa. Não sei como posso explicar melhor. Quando a gente é jovem, nunca chega aquela coisa que a gente quer. Nunca chega! Nunca chega! Quando a gente fica velhinho – igual a mim – o tempo passa com uma velocidade pavorosa. E não é uma coisa que o deixa preocupado, não, porque lá dentro está tudo. No instante que passa, está tudo dentro.

Bracco: O grande medo que se vive agora tem a ver com o futuro, como se houvesse um peso, uma incerteza. Essa sensação de que fica tudo líquido, tremendo debaixo dos pés. Mas isso depende dessa fraqueza da consciência do instante.

Pigi: Do instante que passa. Não é que o instante seja uma coisa assim... Passa, já passou! Mas é no passar desse instante que você sente que há alguma coisa, a força de tudo, o poder de tudo. Você falou do poder, um acontecimento radical, completamente novo. Está neste instante que passa, neste instante aqui, que parece tão frágil, tão inútil, tão passageiro, mas é onde está tudo.

Elenice: Ontem, Pigi, no nosso grupo de Fraternidade, uma pessoa falou algo parecido com isso que você está falando. Ela falou que essa pergunta – o que resiste ao impacto da passagem do tempo? – faz com que você direcione isso ou para o passado ou para o futuro, mas ela se deu conta de que essa pergunta ela precisa se fazer todos os dias porque é no instante. Disse exatamente isso. Ela dizia: “Eu vou para o trabalho [ela é enfermeira e trabalha num posto de saúde, realidade dura] e todos os dias quando chego diante das pessoas, pacientes que chegam com mil situações, me faço essa pergunta”, porque é aí que ela percebe o que resiste à passagem do tempo, fazendo o trabalho dela aí, porque é aí que ela verifica a vitória de Cristo.

Rosetta: Conta pra nós, nestes teus 80 anos o que você não perdeu de vista (que nós não podemos perder de vista)?

Pigi: Pensei somente numa coisa: levar adiante o que tinha recebido. Não temos de nos preocupar muito com outras coisas porque se aquilo que você recebeu é aquilo que faz o mundo girar, imagine se não é a mesma coisa que faz a gente girar. Aquilo que eu recebi em GS foi a certeza da presença de Cristo em tudo, sempre, custe o que custar, doa a quem doer. Presença de Cristo no instante que passa porque se não for no instante que passa não é em tudo, será um esquema teórico ao qual você fará referência de vez em quando, uma espécie de refúgio (ou retiro espiritual). A grande descoberta que fizemos em GS com meus amigos era que a substância do instante que passa é a presença de Cristo. Se não for do instante que passa, não é de nada.

Rosetta: Muitos entre nós podem não ter essa consciência.

Pigi: Mas isso é dom de Deus, chama-se fé. A fé não é capacidade da gente, é dom de Deus. Desde quando eu era criança minha mãe ensinava a fé pelo jeito como ela fazia, como ela falava, nas posturas dela. Só que depois o mundo no qual você mergulha é uma coisa tão destruidora e desarticuladora que destroça tudo. E quando nós éramos estudantes lá no Berchet, a gente estava no fundo do poço. Havia um tal de professor Miccinesi que massacrava a gente. Dino Quartana, esse meu colega, todo mundo ria dele porque ele era bonzinho e era amigo. Foi ele que me levou para GS. Então, nós éramos os bobos da corte na escola.

Bracco: Ultimamente Carrón tem nos falado que este momento, que parece o momento da desarticulação total, é um dos momentos mais difíceis talvez, mas ele diz sempre que este momento é um momento fascinante. Porque ninguém de nós tem mais uma esteira que o carregue. Antes, muito mais gente pensava as mesmas coisas, então não havia grandes problemas. Ao invés, agora, precisa que aconteça em mim alguma coisa, se não...

Pigi: Não é que não acontece em mim, mas é a consciência de que está acontecendo em mim. Porque às vezes dizemos “acontece, não acontece”. Acontece sim! Você é que não toma consciência. Mas que acontece, acontece. Acontece custe o que custar, doa a quem doer, quer você tome conhecimento ou não, à revelia completa de tudo o que se possa imaginar.

Bracco: Essa é bomba atômica! Por isso quando você vê nos colegiais ou nos educadores, neste momento de confusão, alguém que se dá conta disso, é um milagre.

Pigi: O cristianismo por si próprio é dom de Deus, portanto é um milagre. Aquele milagre mirabilis: aquilo que é admirável. Portanto, não é milagroso, é admirável. Os milagres não são coisas diferentes e espantosas, são aquilo que te fascina no instante que passa.