Bocatas. Diante de um tsunami

O Coronavírus trouxe uma avalanche de necessidades, mas também uma superabundância de ternura nos corações que se abrem e buscam um lugar no qual possam dar a vida. Como esta atividade em Madri
Jesús de Alba

Parece que, depois do tsunami sanitário, aqui na Espanha enfrentamos o segundo tsunami que a emergência do Coronavírus provoca. Tsunami quer dizer que toda a infraestrutura que existe até agora para responder a uma necessidade vai sofrer o mesmo que já sofreu a infraestrutura sanitária, passará por cima de todos nós e colapsará todas as obras que agora estão de pé. É muito difícil de o prever, mas o certo é que o Banco de Alimentos chegou a estar desabastecido, e a Cruz Vermelha também. Depois de um mês fechados, muitas pessoas que são ajudadas entraram no limiar da pobreza. Além disso, estamos falando de pessoas que não estão acostumadas a recorrer aos serviços sociais e vão pedir ajuda à paróquia ou à Cáritas, e estão um pouco desorientadas.

Na Cáritas, começa a ser uma avalanche. Quando falamos de tsunami, falamos de algo que bloqueia tudo. Isso gera muita tensão, mas também está sendo muito bonito porque a primeira coisa que nós propusemos foi o método Bocatas, ou seja, colocar a pessoa no centro da atenção e tentar que a resposta seja humana, que não seja uma máquina automática pela qual se adquirem alimentos. Dito assim, soa muito bonito, mas é muito difícil de o fazer e, continuamente, é preciso que se defina processos, porque a tentação é que a realidade entre nos seus processos e não que você tenha que refazer estes processos repetidamente para responder à realidade concreta.

O resumo disso é uma avalanche incrível de necessidades, mas também uma superabundância para o coração. Por exemplo, tivemos pessoas de altos cargos ajoelhadas separando as frutas, dirigentes que estão se movendo e que conseguem para nós, por exemplo, cinco mil litros de óleo, doações altas de pessoas que sabemos que não são ricas. Entre os muitos voluntários que têm vindo, penso em um do meu colégio, que fazia 25 anos que não nos víamos. Ele fez todo um percurso na vida, que tem tudo resolvido, mas quis vir e está ajudando. Um dia conversava com ele enquanto distribuíamos comida às famílias e lhe dizia que a vida é para ser dada. É um drama porque, por um lado, a vida é para ser dada pois, se assim não for, todos os tipos de ansiedades e depressões são gerados, mas, se você a der, os outros podem se aproveitar de você. É impressionante quando as pessoas detectam um lugar onde podem dar a vida porque é transparente, porque não há pessoas que queiram colocar medalhas, porque tudo é transparente no sentido de que no centro está aquele mais necessitado. As pessoas precisam de lugares onde possam se dar, dar o seu dinheiro, o seu tempo, eu vejo isso cada vez mais. Recebemos um donativo que vou emoldurar, de um marroquino que doou cinco euros, até doações de três mil euros. Ver isso é comovente, de repente se desatou uma paixão pelo humano, como um coração que se transmite, que vai sendo transmitido por televisão, por amigos de amigos, pelo boca a boca, e resulta que todo mundo quer ajudar. Esta situação é muito bonita por isso, porque diante de uma situação difícil se fez mais evidente tudo o que nós habitualmente dizemos, que, se não sairmos juntos desta, não iremos a parte alguma, como disse o Papa Francisco no Domingo da Ressurreição.



Não sei o que acontecerá mais para frente, mas agora estamos nos conectando com muitas pessoas que estão felizes de poderem estar conosco. Elas sabem que somos cristãos, intuem inclusive que toda a força vem daí, porque sempre rezamos com os voluntários antes da distribuição, em todos os turnos, e você vê como a potência de Deus é derramada através desta resposta que surpreendeu absolutamente a todos nós, pela generosidade, a gratuidade das pessoas e este coração sadio, que parecia estar doente quando você lê as notícias ou vê como há brigas nos debates políticos, e, no entanto, todo mundo precisa de um lugar onde possa se doar. Isto é o que mais está me impressionando e com o qual não consigo me acostumar, não consigo não me comover cinquenta vezes ao dia, indo recolher batatas frias, bugigangas, tudo o que nos é dado.

Enchemos o armazém, mas temos a sensação de que não haverá alimentos suficientes e isso vai ser dramático. Mas de uma beleza incrível ao mesmo tempo. À princípio, o nosso programa é para quatrocentas famílias e duas mil pessoas, até aí chegamos; mas logo chega a família 401, que não tem nem ideia de que ela é a 401. Bate à porta e eu vejo uma senhora que me desperta uma ternura que me deixa extremamente comovido. Como você vai dizer que o nosso programa é para quatrocentas famílias e que não tem como ajudar mais ninguém? Então, falo com os meus amigos e lhes proponho a adaptação dos processos, e estamos fazendo isso em escala. Não sei até onde chegaremos, mas estas são as instruções que damos entre nós, porque o que falamos entre nós é o que diz o Capítulo 10 de O senso religioso de Luigi Giussani, que não é a mesma coisa ver um problema da posição do coração que de outra posição e a Igreja coloca você em condições idôneas, põe o seu coração na posição idônea para que você possa ver verdadeiramente o problema. E quando você deixa o seu coração ser tocado pelo que diz o Capítulo 10 deste livro, ou pelas leituras dos Atos dos Apóstolos destes dias, por esta ternura pelo humano que Deus tem, como você não vai incluir a 401 e a 402? Atualmente, já estamos pela família 1.100 e 3.500 pessoas com 360 voluntários no programa. Então, talvez haja pessoas que se aproveitem da situação e você tenha que as mandar de volta para casa, mas, quando você é movido por uma ternura assim, é impressionante, e quando chega um grupo de mais de 150 voluntários com pessoas de alto cargo de todo tipo é comovente, é um povo em caminho.